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20/04/2020

Apelos da doutrina social da Igreja

Por Pe. Darci Luiz Marin, ssp*

A Doutrina Social da Igreja é formada por um conjunto de ensinamentos oficiais  da Igreja Católica. Costuma-se atribuir ao papa Leão XIII, através de sua encíclica Rerum Novarum, de 1891, a inauguração dessa doutrina. Até chegar à Laudato Sí, do Papa Francisco, em 2015, foram dezenove encíclicas. Esses documentos trazem consistentes bases para solidificar diretrizes gerais de convivência humana mais fraterna; onde todas as pessoas tenham condições de realizar com dignidade e livremente sua passagem por este mundo.

A perspectiva apresentada nesses documentos surgiu como resposta aos caminhos tomados pelas sociedades nos últimos 130 anos. No final do século XIX, com o surgimento da sociedade industrial estimuladora da competição, romperam-se as modalidades de produção até então existentes. Imensos contingentes de pessoas começaram a se deslocar dos campos para as cidades, em busca de trabalho nas fábricas.  Estruturas sociais, até aí existentes, foram desfeitas com a introdução de mão de obra assalariada, determinando fortes mudanças na organização social, fazendo com que a relação capital e trabalho se tornasse decisiva.

Como bem assinala uma dessas encíclicas: “As estruturas de produção e o capital tornaram-se o novo poder, que, colocado nas mãos de poucos, comportava para as massas operárias uma privação de direitos, contra a qual era preciso opor-se”. Aos poucos os representantes da Igreja, diante das novas relações de trabalho, desencadeadoras de acúmulo nas mãos de poucos em detrimento da pobreza de muitos, começaram a reagir, expondo propostas mais aderentes à mendagem cristã. Nesse sentido, assinalava a Sollicitude rei socialis que a finalidade da Doutrina Social da Igreja é “levar os homens a corresponderem, com o auxílio também da reflexão racional e das ciências humanas, à sua vocação de construtores responsáveis da sociedade terrena”.

A Doutrina Social da Igreja inspirou-se nos escritos neotestamentários, em especial no livro do Atos dos Apóstolos, e nos Padres de Igreja. Assinala o Catecismo da Igreja Católica: “a doutrina social da Igreja se desenvolveu no século XIX por ocasião do encontro do Evangelho com a sociedade industrial moderna, suas novas estruturas para a produção de bens de consumo, sua nova concepção da sociedade, do Estado e da autoridade, suas novas formas de trabalho e de propriedade” (n. 2421); e prossegue: “A Doutrina Social da Igreja propõe princípios de reflexão; apresenta critérios de juízo; orinta para a ação: Todo sistema segundo o qual as relações sociais seriam inteiramente determinadas pelos fatores econômicos é contrária à natureza da pessoa humana e de seus atos (cf. Centesimus annus 24). Uma teoria que faz do lucro a regra exclusiva e o fim último da atividade econômica é moralmete inaceitável… Toda prática que reduz as pessoas a não serem mais do que meros meios que têm em vista o lucro escraviza o homem, conduz à idolatria do dinheiro… ‘não podeis servir ao mesmo tempo a Deus e ao dinheiro’ (cf. Mt 6,24; Lc 16,13)” (n. 2423s).

A Igreja na América Latina, desde Medellín até Aparecida, e a Igreja no Brasil, especialmete através de suas Diretrizes Gerais, renovadas periodicamente, procura traduzir em prática a Doutrina Social da Igreja.

Desde 2013, o Papa Francisco vem procurando imprimir sólida marca para toda a Igreja, estendendo seu forte apelo a toda a humanidade, para que encontre caminhos que ecoem a Doutrina Social da Igreja, atráves do combate à cultura da indiferença; do afastamente da tentação de construir muros em favor da contrução de pontes; lembrando a todas as pessoas de boa vontade, a partir das que governam, que a carta de identidade cristã é o sermão das bem-aventuranças (cf. Gaudete et exsultate 63-94).

Com a explosão mundial da pandemia do Coronavirus, em 2020, os apelos do Papa tornaram-se ainda mais fortes, em perfeita sintonia com a centenária história da Doutrina Social da Igreja: “Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e transtornar pela pressa. Não nos detivemos perante os teus apelos, não despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemete enfermo. Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente” (Papa Francisco, Momento extraordinário de oração em tempo de pandemia, 27/3/2020). A pandemia que se abateu este ano sobre toda a humanidade torna ainda mais urgente pensar que todos estamos navegando num mesmo barco. O que é feito ou não a alguém reflete em todos os demais. A crise que se abateu sobre a humanidade deveria ajudá-la a repensar caminhos de vida digna para TODOS. A humanidade é urgentemente chamada a rever seus planejamentos e seu modo de conviver na Casa Comum: mais cuidado e menos dilapidação da natureza, mais fraternidade e menos competição, mais generosidade e menos ganância… Mas será que isso será efetivamente aplicado ou logo esquecido?

* Pe. Darci Luiz Marin é Sacerdote Paulino. Mestre em Teologia Moral (pela Academia Afonsiana de Roma) e Coordenador de conteúdos dos Periódicos da Paulus Editora.

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