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05/08/2020

Isolamento social x vocação: Desafio ou oportunidade?

Por Pedro Cassiano, Vocacionado Paulino de Monte Alegre-RN

A maioria das pessoas enxergam no isolamento algo pavoroso e intimidador, que pode se tornar causa de um esfriamento na espiritualidade, de modo que além de estarmos isolados uns dos outros, também assim suspostamente ficaríamos isolados de Deus e, consequentemente, também Deus ficaria afastado de nós.

Essa linha de raciocínio é uma temeridade, em primeiro lugar porque Deus é onipresente, ou seja, não está limitado ao espaço sagrado, mas de forma abundante nos atinge diariamente com sua graça, mediante nossa livre escolha em acolhê-lo.

Em segundo lugar, porque estaríamos nos desfazendo de inúmeros exemplos de homens e mulheres que também enfrentaram seus isolamentos e cárceres, no entanto fizeram disto a fonte de suas inspirações, meditações e crescimento espiritual.

São Paulo em suas prisões, não orava e bendizia a Deus? Não proclamava a Boa Nova de Jesus Cristo? São João da Cruz, São Francisco de Assis, São Jerônimo, São Bento e tantos outros, se utilizaram justamente do isolamento para rever o que era necessário ser revisto, para escrever o que era necessário ser escrito e para destruir e edificar o que era preciso ser reformado dentro de si e a sua volta.

Qual o tempo favorável em que São Paulo Apostolo escreveu as celebres cartas aos habitantes de Éfeso, Filipos, Colossos e a Filémon? Não foi na prisão? Não foi também na prisão escura e fria que São João da Cruz, Doutor da Igreja, refletiu e escreveu grandes poemas da mística católica? Não foi ainda na prisão, que São Francisco de Assis, lendo os Evangelhos, se converte ao Cristo? E São Jeronimo, ao transcrever a vulgata, traduzindo a Escritura Sagrada do hebraico, aramaico e grego para o latim, não se utilizou justamente do isolamento? Onde encontrou São Bento, respostas para suas indagações? Não teria sido na vida reclusa? O próprio Cristo não se isolou por quarenta dias?

Diversos santos e santas viram no silêncio e na solidão um tesouro para suas vidas, a partir destes bons exemplos, devemos também nós transformar nossa visão pessimista acerca do isolamento, e ter este período como um grande retiro, onde a oração, a leitura e a meditação ocupem o centro de nossas preocupações. Não muito raro, na vida pastoral, pessoas engajadas demasiadamente em muitos grupos, movimentos e serviços, ironicamente ficam sem tempo para coisas essenciais na vida do cristão, como por exemplo: parar, silenciar, fazer a oração pessoal, meditar uma passagem bíblica, estar atento a prática de ações altruístas. O que é grave! Pois gera a impressão de que só frequentar a “igreja-templo” nos faz aderentes ao plano de Deus, quando na realidade a mera participação desacompanhada de ações efetivas não é vista com bons olhos, tento São Tiago exortado que a fé sem obras é morta (Cf. Tg 2,26).

Deus na sua onisciente sabedoria, nos dá este tempo, para revisitar nosso íntimo, para a reconstrução da Igreja do nosso coração, da nossa Igreja doméstica, para examinarmos nossa caminhada junto a Cristo na Igreja; tempo para apurar nossa vocação, ou seja, nossa missão aqui neste mundo; tempo para desacelerarmos nosso frenético uso das redes sociais, nos conectarmos com nosso Eu e olhá-lo, e partindo desta visão refletirmos: Será que estou aonde deveria estar? Será que estou sendo fiel a missão batismal? Será que estou disponível para dizer SIM ao projeto de Deus? Todas estas indagações devem ser analisadas com muito cuidado, paciência e dedicação dentro do nosso ser, o silêncio é um meio eficaz para obter estas respostas, não se pode achar que durante a pandemia Deus deixou sua messe sem operários, inversamente! Deus continuamente nos chama, o problema não está com Ele, mas nas nossas inquietações, que falam alto, esbravejam e por fim, acabam por ecoar com mais altives do que a voz mansa e humilde de Cristo (Cf. Mt 11,29).

Com a evolução das mídias sócias, vemos continuamente pessoas a reclamar sobre o fechamento dos templos, inclusive apontando erroneamente que a causa do Corona Vírus seja um castigo da ira divina ou que essa doença é demoníaca e por isso necessariamente urge um exorcismo coletivo…

Tais apontamentos são preocupantes, porque nos revela que a voz da Igreja é menos valorizada que o senso comum da histeria coletiva de alguns fieis, bem como também nos faz pensar, estas vozes que tanto reclamam do encerramento das portas das Igrejas, são ativas enquanto missionárias construtoras do Reino de Deus em seu dia a dia ? Lembremo-nos dos primeiros cristãos, que não tinha suntuosas catedrais, mas, tinham tudo em comum (Atos 2,44).

Cabe a nós, fazemos deste tempo uma dádiva, realizando pequenas coisas, como a reza diária do Terço sempre acompanhada da contemplação dos mistérios de nossa fé, o estudo aprofundado daquilo que o santo padre, o Papa Francisco nos orienta, bem como a partir da meditação da palavra de Deus, nos apegar-nos mais e mais ao Cristo e transmiti-lo aos irmãos.

O isolamento não é inútil, mas um tempo favorável!

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