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29/05/2020

O dinheiro chorado

Por Pe. Luiz Miguel Duarte, ssp*

Naquela época eu tinha nove anos de idade. Papai, mamãe, minha mana e eu morávamos na periferia de uma cidade pequena. Um dia ao voltar para casa, vi no chão um dinheiro enrolado, mas não peguei. Tinha aprendido desde pequeno a não me apossar de coisas alheias. Confesso, porém que fiquei com vontade de apanhar aquela nota, que por sinal era de pouco valor. Cheguei a casa, que estava a poucos metros, e contei o caso para minha mãe, perguntando se eu poderia buscar o dinheiro. Disse que sim, que estava na rua, mas acrescentou: “Espero que não seja dinheiro chorado”.

 Só mais tarde viria a entender o que mamãe queria dizer com dinheiro chorado. Com efeito, uma parte usei para adquirir um brinquedo que logo estragou. Depois fui até a venda do sr. Norberto, comprei uns doces, que também foram consumidos num piscar de olhos. Nisso apareceu lá em casa uma mulher, toda chorosa, implorando algum ajutório. Não sei se para fazer bonito, ou por impulso inexplicável, me adiantei e emprestei a ela o restante do meu achado. Nunca mais tive notícias da mulher, nem do dinheiro, é claro. Começava a compreender o que era um dinheiro chorado!

Era pouco, é verdade, mas quem o teria perdido? Na minha cabeça de criança bailavam imagens de uma família que naquele dia ficou sem o pão, o arroz e o feijão. Talvez uma dona de casa, a duras penas, o tivesse ajuntado, a fim de saldar suas dívidas na farmácia…

Dinheiro chorado é aquele que faz falta a alguém, enquanto outros o têm em excesso. É aquela soma, pequena ou grande, retirada do legítimo dono, de maneira velada ou agressiva.

 Conheci uma empresa em que uns chefes espertalhões (na verdade, gatunos) desviavam para seus bolsos boa parte do lucro. Para manter-se de pé, a organização teve de impor sacrifícios aos funcionários. Perderam o direito a cesta básica e ao plano de saúde. Muitos foram despedidos e entraram para o grande número de desempregados. Isso durou até que houve mudança de diretoria, quando então as falcatruas foram descobertas e os descarados, postos no olho da rua.

Dinheiro chorado são também as verbas destinadas a projetos sociais em favor da reforma agrária, saúde, estradas, educação… mas que na realidade tomam outro rumo: gananciosos sem escrúpulo as desviam para suas contas bancárias fora do País. E o que dizer então do dinheiro despejado na indústria da guerra? Guerra ação diabólica com incontrolável poder de ceifar vidas, desatar laços afetivos e traumatizar a sociedade!

  A verdade é que os geradores da desigualdade social estão por toda parte. Enquanto houver dinheiro chorado, não há como extirpar da face da terra a miséria humana.

  Santo Agostinho dizia que “o supérfluo dos ricos é propriedade dos pobres”. E um provérbio árabe adverte: “o homem apegado ao dinheiro é como bicho de seda que se encerra cada dia mais na própria sepultura”.

      

*Sacerdote da Congregação dos Padres e Irmãos Paulinos, um dos redatores de Liturgia Diária.

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