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16/06/2020

MIGRAR: em busca de vida ou ir de encontro à morte?

Por Pe. Darci Luiz Marin, ssp*

São Paulo é a principal cidade da América Latina com pedidos de refúgio. Foto: Cáritas São Paulo

O fenômeno migratório acompanha a história da humanidade deste seus primórdios. Para nós, que herdamos e fé bíblica, encontramos passagens dessa antiga história de migração já no chamado feito por Deus a Abraão, símbolo da vida do povo de Deus: “Saia da tua terra, do meio dos teus parentes e da casa de teu pai, e vai para a terra que eu te mostrarei” (Gn 12,1).

A história das civilizações está repleta de passagens que comprovam a realidade das migrações na formação dos povos e das nações.

Há, no entanto, ao menos dois modos de ler esse fenômeno presente na história da humanidade: por um lado a busca de outros lugares para encontrar vida mais digna e livre, mesmo não faltando obstáculos de toda ordem pelo caminho. É a tão sonhada busca de vida digna e de liberdade a que todo ser humano é vocacionado por natureza. Mas, por outro lado, há também a realidade dos que são constrangidos a buscar outros lugares para fugir da fome ou da perseguição. Esta segunda realidade é a que mais encontramos no mundo nas últimas décadas. Tenha-se como exemplo enormes contingentes de pessoas que tentam desesperadamente chegar a Europa, em busca de sobrevivência.

A Igreja sempre se preocupou com o fenômeno migratório. O papa Francisco, muito preocupado com essa realidade, logo após ter sido escolhido papa, fez sua primeira viagem missionária oficial a Lampedusa (ilha mediterrânea ao sul da Itália), exatamente para expressar ao mundo sua preocupação com a triste realidade dos migrantes de hoje: “Somos uma sociedade que esqueceu a experiência de chorar, de «padecer com»: a globalização da indiferença tirou-nos a capacidade de chorar! Peçamos ao Senhor a graça de chorar pela nossa indiferença, de chorar pela crueldade que há no mundo, em nós, incluindo aqueles que, no anonimato, tomam decisões socioeconômicas que abrem a estrada aos dramas como este (das vítimas dos naufrágios). Senhor, nesta Liturgia, que é uma liturgia de penitência, pedimos perdão pela indiferença por tantos irmãos e irmãs; pedimo-Vos perdão, Pai, por quem se acomodou  – e se fechou no seu próprio bem-estar que leva à anestesia do coração; pedimo-Vos perdão por aqueles que, com as suas decisões em nível mundial, criaram situações que conduzem a estes dramas” (da homilia proferida na missa pelas vítimas dos naufrágios, em 8/7/2013).

Com a chegada da surpreendente pandemia do Coronavírus em 2020, associada à pandemia da pobreza criada por estruturas excludentes, os migrantes tornaram-se duplamente castigados: pela costumeira resistência enfrentada nos lugares onde chegam (muitos morrem pelo caminho) e pelo inimigo invisível da pandemia, a que estão inapelavelmente expostos. Se antes a realidade dos migrantes era angustiante, imaginemos agora!

Tendo presente a realidade atual, o papa Francisco escolheu este tema para o próximo Dia mundial do migrante e do refugiado, a ser celebrado em 27/09 (no Brasil, este ano, no domingo 21/06): “Forçados, como Jesus Cristo, a fugir. Acolher, proteger, promover e integrar os deslocados internos”. Nas palavras do papa: “Decidi dedicar esta mensagem ao drama dos deslocados dentro da nação, um drama – muitas vezes invisível – que a crise mundial causada pela pandemia do Covid-19 exacerbou… À luz dos acontecimentos dramáticos que têm marcado o ano de 2020 quero, nesta mensagem dedicada às pessoas deslocadas internamente, englobar todos aqueles que atravessaram e ainda vivem experiências de precariedade, abandono, marginalização e rejeição por causa do vírus Covid-19”.

E conclui sua mensagem oferecendo esta oração, que podemos fazer nossa, inspirada no exemplo de são José, particularmente quando foi forçado a fugir para o Egito a fim de salvar o Menino:

«Pai, confiastes a são José o que tínheis de mais precioso: o Menino Jesus e sua mãe, para os proteger de perigos e ameaças dos malvados.

Concedei-nos, também a nós, a graça de experimentar a sua proteção e ajuda. Tendo ele provado o sofrimento de quem foge por causa do ódio dos poderosos, fazei que possa confortar e proteger todos os irmãos e irmãs que, forçados por guerras, pobreza e carências, deixam a sua casa e a sua terra a fim de se lançarem ao caminho como refugiados rumo a lugares mais seguros.

Ajudai-os, pela sua intercessão, a terem força para prosseguir, conforto na tristeza, coragem na provação.

Dai a quem os recebe um pouco da ternura deste pai justo e sábio, que amou Jesus como um verdadeiro filho e amparou Maria ao longo do caminho.

Ele, que ganhou o pão com o trabalho das suas mãos, possa prover àqueles a quem a vida tudo levou, dando-lhes a dignidade dum trabalho e a serenidade duma casa.

Nós Vo-lo pedimos por Jesus Cristo, vosso Filho, que são José salvou fugindo para o Egito, e por intercessão da Virgem Maria, a quem ele amou como esposo fiel segundo a vossa vontade. Amém».

*Pe. Darci Luiz Marin é presbítero da Congregação dos Paulinos. Mestre em Teologia Moral (pela Academia Alfonsiana de Roma) e coordenador de conteúdos dos periódicos da Paulus Editora.

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