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19/11/2021

Rogai por nós, Padre Alberione!

Trechos da ORAÇÃO FÚNEBRE proferida em Roma no dia 30.11.1971, pelo Pe. João Roatta, por ocasião dos funerais do Pe. Tiago Alberione
Após o silêncio reverente e a prece destes dias, aqui estamos para dar ao nosso irmão em Cristo, Pe. Tiago Alberione, Fundador da Família Paulina e pai espiritual de nossas vidas, o último adeus.
Estão aqui, diante de nó, seus restos mortais que, durante 88 anos, abrigaram sua grande alma, incessantemente voltada para o encontro com Deus e com os homens; restos que daqui a pouco, descansarão nos fundamentos deste templo por ele mandado erigir, como centro de sua família religiosa. Aqui estamos nós, filhos e filhas da vocação paulina que ele nos transmitiu e a qual iremos levar à plena realização, fiéis à sua espiritualidade.
[…] No meio de todos, acreditamos firmemente, está o Cristo, o Mestre divino, Caminho, Verdade e Vida, no qual Pe. Alberione incessantemente viveu e para o qual agiu: Cristo está presente na sua Palavra que nos ilumina e conforta, no mistério pascal de sua morte e de sua vida, mistério que celebramos intimamente unidos com os irmãos.
Demos, pois, ao nosso Fundador, o Pe. Tiago Alberione, nosso último adeus; fazemo-lo com palavras breves e substanciais, próprias de seu estilo quando, ao longo de 55 anos de fundação e governo, saudava os irmãos que nos deixavam para ir ao Reino eterno de Deus. Pe. Alberione recebeu de Deus talentos extraordinários. Dotado como era, pela sua natureza e pela graça, ele deu tudo para servir a Deus e as almas. Estas palavras sintetizavam simples e profundamente seu pensamento espiritual e a maravilhosa realidade de sua vida.
Assim, ele mesmo apresentava o cerne da espiritualidade que ele nos deixou: “O homem todo em Jesus Cristo, para um amor a Deus: inteligência, vontade, coração, forças físicas. Tudo: natureza, graça, vocação para o apostolado”.
Assim, ele concebia a consagração religiosa: “Consagro todo a mim mesmo a Deus. Tudo: eis grande palavra! Nossa autoridade depende deste tudo”.
Assim ele acolhia a pessoa humana e a amava: “Quando abençoo, abençoo todo o ser: não apenas a cabeça, ou a vontade, ou o coração, mas todo o ser”.
Eis o seu horizonte eclesial e apostólico: “Dirigir-se a todo o mundo, a todas as categorias de pessoas, todas as questões…, todas as necessidades públicas ou particulares, todo o culto”.
[…] Irmãos diante dos despojos mortais deste homem que fundamentou a si mesmo e a nós sobre esta exigência integral de vida, detenhamo-nos um instante e interroguemo-nos francamente se esta exigência se efetuou plenamente na sua pessoa e o que significam as dramáticas palavras que ele mesmo escreveu em 1953, em seu diário íntimo: “Terei que narrar duas histórias: a história da divina misericórdia para cantar um bolo ‘Gloria in excelsis deo’, e a história humilhante da incorrespondência da caridade divina para compor um nov e doloroso ‘Miserere’… No quase refere a minha pobre carcaça, realizei, em parte, o querer divino, mas deve desaparecer da cena e da lembrança, ainda que por ser o mais velho, devesse receber do Senhor e comunica-lo aos outros. Do mesmo modo como o sacerdote terminada a missa, depõe a casula e fica o que é, diante de Deus”.
Como era o Pe. Alberione diante de Deus? O que pensar deste sentimento de nulidade e incorrespondência que acompanhou sua vida? Não nos é dado penetrar no mistério de uma vida cujo único juiz é Deus, mas podemos intuir que aquela corajosa acusação de si mesmo, diante de todos, provém exatamente de ter ele uma iluminada consciência de tudo: é expressão da limitação humana sofrida pela pessoa humana que se lançou para plenitude em Cristo; é o sentido profundo da responsabilidade diante do chamado de Deus; é a humilde sensibilidade sobre cada incorrespondência real; por parte de quem sente a gravidade dos próprios deveres e a santidade diante de Deus. E não há motivos, irmãos, para, nesta hora de caridade e de sufrágio, não colhermos seriamente este anseio tantas vezes manifestado por ele e não o apresentarmos a Deus, em Cristo, para que leve nosso pai à salvação definitiva, à paz profunda e à realização final de todo seu ser.
Mas, a Igreja viu o Pe. Alberione sob uma outra luz. Na audiência que concedeu à Família Paulina no dia 28 de junho de 1969, o Papa Paulo VI apresentou, com rara habilidade, a síntese dinâmica desta grande vida cristã: “Ei-lo: humilde, silencioso, incansável, sempre vigilante, sempre entretido com os seus pensamentos, que se mobilizam entre a oração e a ação… deu à Igreja novos instrumentos para manifestar-se, novos meios para dar vigor e amplitude ao seu apostolado, nova capacidade e nova consciência da validade e da possibilidade da sua missão no mundo moderno e com os meios modernos”.
Muitos paulinos trazem gravado na memória o quadro desta vida integral, que se desenvolveu como uma longa e intensa jornada de trabalho, com um empenho sem pausas, um dinamismo sem afrouxamento, uma linearidade sem descanso, do amanhecer ao acaso. Esta longa, intensa jornada – resultado, podemos dizer, de um conjunto de 25.000 mil jornadas que começavam 3 horas da madrugada com um prolongado encontro com Deus e se estendiam até à hora de adoração que concluía seu dia, num contínuo alternar-se de ação e oração, de redação e encontros pessoais, de correspondência e iniciativas a executar, de aulas e de ministério sacerdotal, de dura administração e de atento acolhimento aos sinais dos tempos – é a síntese de um existência integral em que o extraordinário torna-se simples e ordinário, e no qual tudo encontrava lugar, com ordem, com simplicidade, e com perfeita calma interior, como numa contínua resposta ao horário que Deus lhe tinha fixado.
Seu encontro decisivo com Deus, realizou-se no dia 1º de janeiro de 1901, nas primeiras 4 horas deste nosso século, horas em que ele passou na Catedral de Alba (Itália). Deste encontro surgiu nova luz e o propósito essencial de sua vida. Naquela noite, como ele recorda: “Sentiu-se profundamente obrigado a preparar-se para fazer alguma coisa por Deus e para os homens do novo século com os quais viveria”. Tinha então 16 anos. Desde aquele dia, conforme sua expressão característica esteve continuamente atento para ouvir o toque da companhia de Deus para o desenvolvimento integral de sua jornada terrena (…).
Depois de 55 anos desde sua primeira fundação, no lento calvário de seu sofrimento, sua oração e sua imolação final que se deu sexta-feira, dia 26 de novembro de 1971. Deste longa e intensíssima atividade por Deus e pelos homens, os paulinos conhecem os anseios profundos que alimentavam cada dia, nas prolongadas horas de contato com Cristo, numa vida de oração totalmente excepcional, em que tomou decisões fundamentais.
Numa noite de 1923, quando uma doença grave o acometeu, levando-o quase à morte, uma presença e uma voz lhe deram uma nova confirmação e orientação: “Não temais, eu estou convosco. Daqui quero iluminar. Arrependei-vos de vossos pecados”. Foram as palavras que ele mandou gravar ao redor do Templo “Regina Apostolorum” de Roma, e que estão reproduzidas exatamente em todo mundo, nas capelas da Família Paulina. Desde aquela noite, ele teve que percorrer ainda um caminho de quase 50 anos, e os membros da Família Paulina tiveram uma segurança maior para sua resposta ao chamado de Deus.
Centro da vida e das atividade do Pe. Alberione é Cristo: o Cristo que ele ama e prega como Mestre, Caminho, Verdade e Vida dos homens, apresentado por Maria, Rainha dos Apóstolos, Mãe de Cristo e nossa Mãe, e por São Paulo, o intérprete profundo da vida de Cristo, o modelo mais vivo de toda atividade apostólica. A vida do Pe. Alberione se desenrola neste mundo espiritual que ele incansavelmente expande ao seu redor e que se expressava corajosa e magnificamente na construção de templos, os quais, praticamente, empenham toda a sua vida terrena; o templo de São Paulo, em Alba, inaugurado em 1928, centro da Casa Mãe de nossa Congregação; o templo do Divino Mestre, em Alba, inaugurado em 1936, centro da Casa Mãe das Filhas de São Paulo; o templo da Rainha dos Apóstolos em Roma, consagrado em 1954, no coração das casas generalícias da Pia Sociedade de São Paulo e das Filhas de São Paulo; o templo do Divino Mestre, também em Roma, na via Portuense no centro da Casa Generalícia das Pias Discípulas do Divino Mestre, templo que nosso Fundador pôde ver praticamente acabado, pois foi inaugurado no dia 27 de junho de 1971.
(…) Justamente no templo da Rainha dos Apóstolos por ele intensamente idealizado e querido, ficará agora o seu corpo, à espera da ressureição final. Aqui com seu primeiro filho espiritual, o Servo de Deus, Pe. Timóteo Giaccardo e a serva de Deus, Mestra Tecla Merlo, sua fiel e prudente colaboradora no desenvolvimento da Congregação das Filhas de São Paulo, o Pe. Alberione repousará, recebendo a visita de seus filhos e filhas, para um encontro contínuo com as fontes e para uma espiritualidade que se centraliza na integralidade da vida em Cristo.
Quando há 18 anos passados, estávamos pensando na celebração do quadragésimo aniversário da fundação, e no título que daríamos ao livro comemorativo daquela data, entre a variedade dos pareceres, o Pe. Alberione nos disse: ‘“Lanço-me para frente’: são palavras de São Paulo aos Filipenses, e é o que dá sentido à nossa vida”.
Acredito, irmãos, que se pudéssemos interrogar o Pe. Alberione, nosso pai, sobre qual deverá ser o tema guia para nós, na hora em que ele nos deixa para receber a recompensa, ouvi-lo-íamos ainda dizer com a mesma espontaneidade: “Lanço-me para a frente”. Foi este o sentido de sua vida paulina: esta a ordem em que ele nos deixa em nome do protetor por ele escolhido – São Paulo. Tal convite supõe, de nossa parte, coragem, perseverança, fidelidade, sensibilidade ao tempo em que vivemos; a coragem que tiveram homens como São Paulo. Tal convite supõe, de nossa parte, coragem, perseverança, fidelidade, sensibilidade ao tempo em que vivemos; a coragem que tiveram os homens como São Paulo e como o Pe. Alberione, de colocar toda a vida a serviço de Cristo; a perseverança no meio dos sacrifícios e aborrecimentos dos longos dias de preparação e de duro trabalho à espera que soe a hora de Deus; a fidelidade verdadeira ao espírito, com uma sã liberdade sobre as coisas “quae retro sunt” e que devem ficar para trás, lembram, sobretudo que o Pe. Alberione teve como característica fundamental a capacidade e a vontade do novo, no campo do espírito e do apostolado, uma visão aberta, voltada para os sinais dos tempos, sensível aos homens com os quais vivemos.
O que faria, hoje, nosso Fundador, para realizar o carisma que Deus lhe deu? Como conseguiu amar os homens e despertar ao redor de si tantas energias de resposta para o serviço dos homens do seu século? Como conseguiu amar Cristo com ardor simples e interrupção por toda uma vida?
Nasce, hoje, para nós, neste momento de tão grande valor, uma nova garantia: a intercessão do Pe. Alberione junto a Deus. Ele acreditava profundamente na união operante entre os irmãos vivos e falecidos: quis expressá-la na capela funerária da Casa Mãe: “Estivemos unidos na profissão de fé, continuemos unidos: os vivos mediante os sufrágios; os mortos, com a intercessão junto de Deus”.
Acreditamos plenamente nesta intercessão que começa para nós, junto de Deus e enquanto o corpo do Pe. Alberione vai repousar no sepulcro, nós podemos retornar confiantes nosso caminho.

Em O Cooperador Paulino, nº 35, Setembro-dezembro – 1990

*A homilia completa e outras do funeral do Pe. Alberione encontram-se no livro “È morto il Padre  – 26 novembre 1971” – Società San Paolo