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12/11/2020

A comunicação a serviço da fraternidade

Por Frei Darlei Zanon, ssp

Entre os inúmeros temas abordados na recém-publicada encíclica Fratelli tutti, o Papa Francisco dedica um longo espaço também à comunicação. Começa, nos nn. 42-50, por denunciar uma certa ilusão que caracteriza a comunicação atual– a falsa ilusão da proximidade, da construção coletiva, da ajuda recíproca –, especialmente nas redes sociais, onde vemos abundar narcisismo, ódio, agressividade, desrespeito, indiferença, dependência, fanatismo. Para superar este paradoxo o Papa propõe uma comunicação de “sujeitos” e não de “objetos” com a complementariedade virtual e presencial, dando continuidade à sua convicção da superioridade da comunicação humana sobre a instrumental.

Francisco recorda que para construir pontes, para gerar um “nós” consistente, é preciso unir o digital ao físico, criar momentos de escuta, acolhimento, diálogo, superando a hiper exposição narcisística: “muitas vezes se confunde o diálogo com algo muito diferente: uma troca febril de opiniões nas redes sociais, muitas vezes pilotada por uma informação mediática nem sempre fiável. Não passam de monólogos que avançam em paralelo, talvez impondo-se à atenção dos outros pelo seu tom alto e agressivo” (n. 200). Ele enfatiza muito bem quefazem falta gestos físicos, expressões do rosto, silêncios, linguagem corpórea e até o perfume, o tremor das mãos, o rubor, a transpiração, porque tudo isso fala e faz parte da comunicação humana” (n. 43).

Para ilustrar e cadenciar toda a sua reflexão sobre a fraternidade e a amizade social, o Papa recorre à parábola do bom samaritano, por sinal utilizada na sua primeira mensagem para o Dia Mundial das Comunicações, no ano 2014. Esta parábola é provavelmente o símbolo que melhor expressa a sua visão da “comunicação a serviço de uma autêntica cultura do encontro e do diálogo”.

Superado o primeiro impulso de refletir sobre as diversas possibilidades que as novas tecnologias da informação oferecem à comunicação e ao “encontro” com inúmeras pessoas do mundo todo, e sobre a incoerência da sociedade em rede que nos aproxima do distante e nos distancia do próximo, como bem recorda o Papa em Fratelli tutti, proponho retornar ao elemento fundador da nossa fé – a Encarnação do Verbo – para melhor compreender a parábola do bom samaritano associada à comunicação.

Deus – o Verbo, a Palavra– se fez homem. Este é o encontro fundamental entre a divindade e a humanidade e, como tal, modelo para toda a cultura do encontro. Professamos que Deus criador do mundo foi se manifestando à sua criatura ao longo da história e num momento pontual revelou-se de modo definitivo. A Encarnação é por isso a comunicação perfeita entre Deus e o ser humano. E esta comunicação se deu num encontro: Deus se fez próximo. Na verdade, em Jesus Cristo a divindade se uniu plenamente à humanidade e este é o ponto de partida para compreendermos a profundidade da mensagem do Papa Francisco e a necessidade de utilizarmos a comunicação para criarmos verdadeira fraternidade e cultura do encontro.

Comunicar é fazer-se próximo, como Deus na Encarnação. Entretanto esta proximidade concretizada em Jesus Cristo é dinâmica e edificante. A divindade não só se aproxima da humanidade, mas envolve-a e a transforma. Deus se revela, mostra como é, assumindo integralmente a condição humana. Algo semelhante é o que acontece com o bom samaritano, parábola que nos ajuda a compreender que comunicar é ir ao encontro, aproximar-se; e que aproximar-se é cuidar, partilhar de uma condição, ter compaixão (sentir ou sofrer com). Não basta circular pelas estradas digitais e “ver” as pessoas. É preciso “sentir com”, “criar com”, partilhar mais que palavras e imagens bonitas e pré elaboradas. É preciso envolver-se, comprometer-se, como o bom samaritano.É preciso aproximar-se, “encontrar”.

Comunicar é também assumir riscos, superar o medo de “tornar-se impuro”. É sair da zona de conforto, deixar os nossos “palácios”, como o samaritano que parou para ajudar um desconhecido, como Deus que saiu do seu reino dos céus para vir ao mundo. Entretanto, o samaritano não “se contaminou”, mas sim salvou um homem; e em Jesus Cristo a divindade não se tornou impura, mas sim a humanidade é que foi salva, redimida.

Assim chegamos a uma questão delicada: a Igreja hoje quer salvar (como fez o samaritano) ou quer evitar “contaminar-se” (como fizeram o sacerdote e o levita)? Comunicar não significa estar num “púlpito” ou numa “cátedra” proferindo belas palavras, por mais verdadeiras e profundas que sejam. Comunicar é “sair”, é ir ao encontro e possibilitar o encontro. A Igreja deve ser a primeira a dar o exemplo, deve primeirear (cf. Evangelii gaudium 24), insiste o Papa Francisco ao longo de todo o seu magistério. Deve ser a primeira a sair do seu conforto para ir à procura do outro, aceitando plenamente a sua condição.

Assim como Deus deixou a sua perfeição para assumir a limitação humana em Jesus Cristo, para que a verdade do evangelho toque o mundo precisamos nos misturar, ir até as diversas periferias, acolher o diferente, que para o Papa se revela sobretudo no pobre e no migrante. É preciso deixar o púlpito e a cátedra para ir à rua e às praças. É preciso uma Igreja que consiga levar calor, inflamar o coração. Uma Igreja companheira de estrada, próxima. Uma Igreja que comunique a vida e não conceitos abstratos.

O equilíbrio e a complementaridade entre a comunicação virtual e a comunicação física, presencial, marcada pela escuta, o diálogo e a proximidade, é essencial para promover essa verdadeira cultura do encontro que por sua vez conduz à fraternidade e à amizade universal assim como o Papa nos propõe. Que desafio!

 

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