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23/05/2022

Um momento para a comunicação: a escuta (parte 2)

Por Felipe Borges, Seminarista Paulino

A escuta e a intimidade consigo, com Deus e com os outros

Na primeira mensagem para o primeiro Dia Mundial das Comunicações em 1967, São Paulo VI dizia: “Graças a essas maravilhosas técnicas, a convivência humana assumiu dimensões novas: o tempo e o espaço foram superados, e o homem tornou-se um cidadão do mundo, coparticipante e testemunha dos acontecimentos mais distantes e das vicissitudes de toda a humanidade”. Mas será que nos dias de hoje nós podemos dizer o mesmo? A convivência humana realmente assumiu novas dimensões, mas essas dimensões promovem uma verdadeira cultura do encontro que possibilita a escuta dos outros? Há tempo para a escuta do próprio coração e da voz de Deus? Não é à toa que nesta mesma mensagem advertia Paulo VI: “Quanto maiores, portanto, são o poder e a ambivalente eficácia destes meios de comunicação, tanto mais atento e responsável deve ser o seu uso”.

Nessa perspectiva o Papa Francisco convida a fazer um percurso na Palavra de Deus, ao convidar as pessoas a escutarem com o coração. Recordando o “shema Israel – escuta, Israel” (Dt 6,4) e as palavras de São Paulo “a fé vem da escuta” (Rm 10,17), salienta que Deus sempre quer se comunicar com o seu povo, convidando-o a uma relação de escuta. Porém essa escuta não pode “entrar por um ouvido e sair pelo outro”, mas entrar nas entranhas do coração. Essa escuta deve gerar uma relação de intimidade tão forte de modo a fazer com que aquilo que eu creio se torne vida na minha vida, através das minhas obras.

Como é bonito o gesto de Deus quando nos convida a escuta-lo, pois antes de nos convidar a escutá-lo, ele nos escutou! “Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos” (Ex 3,7). E isso é um modelo perfeito para nós do “ir e ver” de que fala o Papa Francisco – como destacamos na primeira parte –, promovendo uma escuta diante das realidades existenciais. Deus vem ao nosso encontro e escuta os nossos apelos em sua grande sabedoria, força e poder. E nós muitas vezes preferimos ficar trancados em nós mesmos e não escutamos a Deus, a nós mesmos e aos outros.

 “Assim temos, por um lado, Deus que sempre Se revela comunicando-Se livremente, e, por outro, o homem, a quem é pedido para sintonizar-se, colocar-se à escuta. O Senhor chama explicitamente o homem a uma aliança de amor, para que possa tornar-se plenamente aquilo que é: imagem e semelhança de Deus na sua capacidade de ouvir, acolher, dar espaço ao outro. No fundo, a escuta é uma dimensão do amor.” (Papa Francisco, Mensagem do 56º Dia Mundial das Comunicações Sociais)

Jesus, como recorda o Papa, convida seus seguidores a bem escutar, para saber bem comunicar. Jesus convida quem aceita segui-lo a ouvir seus ensinamentos e a examinar a própria consciência para uma verdadeira mudança de vida. Só assim pode-se levar a verdade, a bondade, a justiça e a paz – frutos da acolhida dos ensinamentos do Mestre, através de uma sadia e operante escuta.

Tal escuta não se concretiza em quem tem ânsia de espionar a vida alheia, nem em quem “fala pelos cotovelos” – tentações fortes nas relações humanas presenciais e virtuais de ontem e de hoje. Se não escutamos os que convivem conosco, podemos escutar bem os anseios da sociedade?

Mas, ainda assim, a escuta da sociedade de modo crítico é urgente; especialmente por que há muitas vozes falsas e que desinformam. “É preciso inclinar o ouvido e escutar em profundidade, sobretudo o mal-estar social agravado pelo abrandamento ou cessação de muitas atividades econômicas”, reforça o pontífice. Imaginemos, por exemplo, a realidade das migrações. Será que não há migrantes na região em que nos encontramos? Como escutamos essa realidade? E os meios de comunicação à nossa volta o que transmitem sobre isso?

“A própria realidade das migrações forçadas é uma problemática complexa, e ninguém tem pronta a receita para a resolver. Repito que, para superar os preconceitos acerca dos migrantes e amolecer a dureza dos nossos corações, seria preciso tentar ouvir as suas histórias. Dar um nome e uma história a cada um deles. Há muitos bons jornalistas que já o fazem; e muitos outros gostariam de o fazer, se pudessem. Encorajemo-los! Escutemos estas histórias! Depois cada qual será livre para sustentar as políticas de migração que considerar mais apropriadas para o próprio país. Mas então teremos diante dos olhos, não números nem invasores perigosos, mas rostos e histórias de pessoas concretas, olhares, expetativas, sofrimentos de homens e mulheres para ouvir.” (Papa Francisco, Mensagem do 56º Dia Mundial das Comunicações Sociais)

Escutemos a voz do Pai que nos chama ao caminho do bem. Escutemos essa voz com o ouvido do coração, para que possamos escutar os irmãos e irmãs ao nosso redor e vencermos a falsa comunicação que abafa vozes e oprime corações. “Um caminho de fraternidade, local e universal, só pode ser percorrido por espíritos livres e dispostos a encontros reais” (Fratelli Tutti, 50). Maria, a Virgem da escuta, nos ajude a bem escutar para bem comunicar!

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