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08/03/2022

O tempo quaresmal é como um grão

Por Eduardo Maciel, Seminarista Paulino

O tempo quaresmal é como um grão, que para dar muito fruto é preciso morrer. Mas não basta morrer, o grão só se desenvolve se a terra for produtiva, fértil, capaz de se transformar no processo. A morte é o chamamento ao “visceral” exame de consciência, sim, uma análise que vem de dentro, que é capaz de nos desestabilizar, que nos deixa descalços no chão da vida. Uma reflexão que sai de dentro, portanto, começa no “grão” do intelecto, passa pelo processo de “mortificação” no coração e dá fruto na ação.

Não há vida sem processo, não há quaresma sem conversão. Três palavras ecoam na liturgia da Igreja nesse tempo: oração, jejum e esmola. As palavras por si só dizem o que são ou o que deveríamos fazer a partir delas, mas existe uma linha muito tênue entre aquilo que interpretamos que é (ou interpretam por nós) e aquilo que de fato nos faz caminhar juntos para a conversão.

A oração é diálogo com Deus e diálogo configura troca de saberes. Com Deus, não se trata apenas de palavras, fórmulas e ritos, mas de vivê-la e praticá-la cotidianamente. É um convite a dialogar com sabedoria e ensinar com amor a Deus, o qual passa pela pessoa do irmão e da irmã.

O jejum é um não à hiprocrisia, é como diz o profeta Isaías (58,1-9) “É porque, ao mesmo tempo que jejuais, fazeis litígios e brigas e agressões impiedosas”. Não se pode ou não se deveria realizar uma prática preceitual, se na vida cotidiana não se reflete aquilo que o preceito diz em si. Jejua, mas não procura ser honesto; jejua, mas falta com a verdade nas pequenas coisas; Jejua, mas omite a palavra “pobre” porque não cabe em lugares e em certos grupos sociais. Jejuar é um sim à verdade e à coerência, é um não àquilo que é contrário ao projeto de Jesus de Nazaré.

Jejum, sim, mas de palavras malditas, olhares maldosos e “comentários” terroristas. Aliás, quantas pessoas nesse tempo de crise social, econômica e política passam por jejuns – significado literal da palavra – forçados a não ter o alimento básico em suas mesas, privados de uma educação humanista e solidária e de representantes políticos que defendam os direitos das pessoas, sobretudo das mais vulneráveis socialmente.

A esmola não é oferecer uma moedinha em favor de uma pessoa em situação de rua. Em caso de pobreza, claro, esse gesto até pode aliviar uma circunstância momentânea, mas não é o compromisso que Jesus pede a nós.

Aqui não estamos fazendo uma desconstrução do pobre (como somos tentados hoje) para um sentido espiritualista de ausência de sentimentos, mas aquele que não tem as oportunidades, condições e privilégios que muitos têm, aquelas e aqueles que na Páscoa não podem se presentear com um chocolate ou fazer uma ceia Pascal, porque nem casa tem. Jesus não pede um potinho com moedinhas para os pobres, ele pede que alguém possa perguntar o porquê eles estão naquela situação e o que fazer para que possam sair dela.

Se existe esmola é porque existe quem precise dela. A miséria, a pobreza não são de Deus. Somos chamados, nesse tempo quaresmal, a unir convicções e forças em prol dos pobres e indefesos, para que dizendo não às injustiças sociais, à corrupção, à distribuição injusta de terra, todos tenhamos uma vida nova em Cristo, nosso irmão.

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