Blog

09/06/2020

A liberdade do discernimento

Por Ir. Francesca Carotenuto, Ap*

Introdução

A minha vida é algo que acontece muito rápido e não pede licença!

A minha vida é um presente que recebi para ser feliz!

Qual destas duas afirmações é mais verdadeira?

Todos nós temos a experiência (ainda mais neste tempo de pandemia) que muitas coisas fogem do nosso controle, nem tudo podemos escolher. Há muitas oportunidades, ao mesmo tempo, muitos desafios, e, consequentemente, muita flexibilidade e/ou precariedade.

Também temos a experiência de um anseio profundo que nos move, de um desejo de felicidade que, mesmo parecendo as vezes impossível, continua gritando alto e nos impulsionando. Somos pessoas continuamente em busca e em crescimento!

Então… As afirmações acima são verdadeiras.

A vida é uma jornada que acontece e nos envolve por inteiro: pensamentos, sentimentos, aptidões, desejos. As vezes “corre” sem pedir licença sim, mas não sem sentido. Existe uma direção, um propósito. Sentimo-nos atraídos por aquilo que é belo, verdadeiro, bom e isso nos ajuda a não desistir, mesmo nas dificuldades. Esta atração é a voz de Deus que chama cada um à plenitude da vida. Você não está neste mundo por acaso nem à mercê de acontecimentos aleatórios, muito pelo contrário: a sua vida é vocação e missão.

Papa Francisco diz com convicção e entusiasmo: “Eu sou uma missão nesta terra, e para isso estou neste mundo. É preciso considerarmo-nos como que marcados a fogo por esta missão de iluminar, abençoar, vivificar, levantar, curar, libertar. Nisto uma pessoa se revela enfermeira no espírito, professor no espírito, político no espírito…, ou seja, pessoas que decidiram, no mais íntimo de si mesmas, estar com os outros e ser para os outros”. (Evangelii Gaudium 273)

Como viver tudo isso? Como descobrir o que você pode e deseja oferecer para este mundo? A chave, está em uma palavra: Discernimento.

Esta palavra, talvez difícil e um pouco assustadora, revela um exercício muito valioso: a prática de olhar aquilo que acontece dentro e ao redor de você para fazer escolhas em sintonia com a vontade de Deus que, como e mais do que você, deseja que você apreenda a fazer escolhas livres e criativas que fazem crescer.

Sempre o Papa Francisco nos explica que o discernimento é um: processo pelo qual a pessoa, em diálogo com o Senhor e na escuta da voz do Espírito, chega a fazer as opções fundamentais, a começar pela do seu estado de vida. (Mensagem para o 55º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, 3/12/2017)

Escolher é algo cotidiano e desafiador. Continuamente precisa escolher algo (escolhas mais simples, no dia-a-dia e outras que orientam a nossa vida de uma forma mais estável).

Talvez você esteja pensando: “Eu não gosto de escolher! Porque… dá trabalho, é arriscado, precisa deixar de lado alguma coisa, pode dar errado, posso me arrepender… Melhor deixar a vida me levar… Ou agir impulsivamente, sem pensar muito!”.

Verdade! Mas… as escolhas além de ser um “trabalhão” são uma possibilidade preciosa:

E… na prática? O bem-aventurado Tiago Alberione, fundador da Família Paulina dizia: “Para onde vai a sua vida? Pense, Reze, Decide!”. Estes três passos talvez podem ajudar:

1) Pensa

Cada escolha nasce da escuta do coração

Quando algo nos provoca a tomar uma postura, uma atitude, uma decisão, de imediato surgem sentimentos. Por isto o primeiro passo é escutar-se: O que estou sentindo?

No nosso coração habitam vários sentimentos, emoções, desejos, motivações as vezes (ou sempre!) contraditórios. Quero formar uma família, mas tenho medo de deixar a minha rotina… Quero me consagrar a Deus, mas sinto forte também o desejo de ser mãe. Quero ser padre mas, o que os meus amigos vão pensar…?

Sentir tudo isto é muito normal. Os movimentos do coração precisam serem escutados, reconhecidos, e sobretudo acolhidos simplesmente sem se julgar. Acolher, permite de assumir o seu jeito de ser e a sua história pessoal, e de apreender a gostar de você do jeito que você é. Só depois disso, pode colocar o que você sente em diálogo com os seus valores e ideais, ou seja, aquelas atitudes e realidades que aprecia e que são uma referência na sua vida.

Agora cabe a pergunta: O que me move? O que mais busco? O que é mais importante para mim?É nesse diálogo que você pode perceber aquilo que fala mais alto.  Os valores atraem, os desejos empurram, os sentimentos as vezes ajudam, outros são um empecilho. Discernimento é trazer à tona tudo, para acolher e ao mesmo tempo distinguir aquilo que aproxima e aquilo que afasta dos objetivos (e, a final, de Deus). Bem sabia disso o apóstolo Paulo que nos exorta: “Examinem tudo e fiquem com o que é bom. Fiquem longe de toda espécie de mal”. (1Ts 5, 21-22)

2) Reza

 Cada escolha amadurece no diálogo com Jesus

Outro passo no caminho de discernimento é ouvir e falar com Jesus.

Esse diálogo entre sentimentos espontâneos e motivações mais profundas pode ser iluminado pela Palavra do Evangelho, pela pessoa de Jesus, pelo seu olhar amoroso, pela relação viva com Ele na oração. Ao ler o Evangelho, ao perseverar na oração, ao falar com Jesus como falando com um amigo, podemos ouvir as orientações que Ele nos sugere.

Papa Francisco diz: “A vida que Jesus nos dá é uma história de amor, uma história de vida que quer misturar-se com a nossa e criar raízes na terra de cada um. […] A salvação, que Deus nos dá, é um convite para fazer parte duma história de amor, que está entrelaçada com as nossas histórias; que vive e quer nascer entre nós, para podermos dar fruto onde, como e com quem estivermos. Precisamente aí vem o Senhor plantar e plantar-Se a Si mesmo.” (Christus Vivit, 252)

Discernir a própria vocação é aceitar este convite para a construção do Reino de Deus, de uma sociedade mais fraterna.

 

3) Vive

Cada escolha se realiza com pequenos passos possíveis

Uma vez que você definiu a pessoa que quer se tornar, a direção que quer seguir, o aporte que pode oferecer ao mundo, precisa focar um plano, porque como diz o ditado: “Toda grande jornada começa sempre por um único e primeiro passo”.

É nesta fase que você pode avaliar qual é o passo possível hoje, e conferir os recursos a sua disposição. É o tempo de se perguntar-se: O que está ao meu alcance? Quais as possibilidades agora? Quais as minhas competências e habilidades? E também:  O que me impede? Quais obstáculos, limites…?

Pode ser útil escolher um trecho da Bíblia que seja luz e força para dar esses passos.

Algumas dicas…

O discernimento não é algo pontual, mas um estilo de vida que leva a perceber o chamado a viver cada dia, cada situação em amizade com Jesus, em comunhão com Ele.

O discernimento é um processo que pede tempo e paciência: “O Senhor vai acendendo luzes à medida que precisamos delas. Não acende todas de uma vez, quando ainda não são necessárias; não desperdiça a luz, mas ilumina sempre no momento oportuno”. (Bem aventurado Tiago Alberione)

Por isto é importante viver estes passos procurando a ajuda de uma pessoa que saiba te escutar e orientar, sobretudo nos momentos de maior confusão.

E… Pode confiar que: “O discernimento torna-se um instrumento de compromisso forte para seguir melhor o Senhor. Assim, o desejo de reconhecer a própria vocação adquire uma intensidade suprema, uma qualidade diferente e um nível superior, que responde muito melhor à dignidade da vida. Porque, em última análise, um bom discernimento é um caminho de liberdade que faz aflorar a realidade única de cada pessoa, aquela realidade que é tão sua, tão pessoal que só Deus a conhece. Os outros não podem entender plenamente nem prever de fora como se desenvolverá.” (Christus Vivit, 295.)

*Irmã Francesca Carotenuto é membro da Família Paulina do Instituto Rainha dos Apóstolos para as vocações. Contato: [email protected]

, , ,