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17/03/2021

Amor verdadeiro

Por Frei Darlei Zanon, ssp

Há algum tempo li uma obra muito profunda que gostaria de partilhar hoje com vocês pois é um tema muito propício para o tempo da Quaresma: fala do amor, da doação, do outro…

Cheguei a esse autor por um caminho estranho, mas muito interessante. Uma escritora da qual gosto muito fazia referência a um filósofo contemporâneo, coreano que vive e leciona na Alemanha. Não é uma combinação comum, assim como a sua forma de pensar e ler o mundo como mais tarde vim a descobrir. Fiquei curioso e fui à procura. O primeiro livro que encontrei é intitulado Eros em agonia. Pequeno, mas muito profundo e questionador. A tese de fundo é que o grande problema da sociedade atual é não reconhecer o “outro”, não nos interessarmos por alguém ou algo além de nós próprios.

O livro começa afirmando que “muitas vezes, nos tempos recentes, foi anunciado o fim do amor; hoje, o amor é vítima da liberdade ilimitada de escolhas, da multiplicidade de opções e do impulso à otimização”. No entanto, o verdadeiro problema que leva à agonia do amor é a erosão do “outro”, o desaparecimento do “outro” (ou “próximo”, na linguagem bíblica), consequência de uma sociedade altamente narcisística.

Hoje somos incapazes de reconhecer o outro na sua alteridade e de aceitar essa alteridade. Para a sociedade atual, há sentido apenas aquilo em que podemos reconhecer a nós próprios. Não é por acaso que se propagam os casos de melancolia, stress, vazio interior, depressão. Uma sociedade que é incapaz de olhar e reconhecer a riqueza do “outro” é doentia. Infelizmente essa é a sociedade em que vivemos, onde as relações são guiadas pelas mesmas leis do capitalismo, do comércio. O ser humano se tornou um produto. Já não procuramos relacionamentos, mas consumo. Não estabelecemos laços, mas contratos.

O excesso de liberdade, ou melhor, a busca incessante por escolher “livremente” nos leva a um ciclo vicioso de eterna insatisfação, vazio, egocentrismo, incapacidade crônica por decidir, que conduz naturalmente à depressão e ao esgotamento. Busca-se atualmente um amor livre da negatividade e da dificuldade, o que é impossível. Amar traz consequências, como vemos claramente no exemplo de Jesus. Amar verdadeiramente traz sofrimento, pois somos impelidos a sair de nós mesmos para assumir uma realidade muito maior. Amar verdadeiramente é doar-se ao “outro”, como fez Jesus na cruz.

Por amor à humanidade, Cristo deu a sua própria vida. Ele é Filho de Deus, maior do que qualquer ser humano, mas não se colocou como centro. Ao contrário, entregou-se para nos salvar (cf. Filipenses 2,6-11). O amor atual significa somente necessidade, satisfação e prazer. É incapaz de se tornar subtração ou entrega. Queremos apenas receber, sem nada dar. E isso não é amor verdadeiro. É amor que não nos ajuda a crescer, que não constrói, que apenas alimenta uma vida sem sentido.

Que a vivência da liturgia da Quaresma e da Páscoa nos ajude a compreender o verdadeiro sentido do amor, que gera vida e nos aproxima do outro (nosso irmão) e do Outro (Deus). Somente superando o egoísmo e o narcisismo encontraremos sentido para a vida, como nos ensina o Cristo sofredor da Semana Santa. Por isso convido você, leitor, a viver intensamente esse momento de graça, aproveitando para refletir não apenas sobre sua fé, mas principalmente sobre seus relacionamentos, que afinal são uma consequência natural da nossa fé, pois “amar a Deus” exige “amar o próximo”, o outro, sempre presente na nossa vida, mas muitas vezes esquecido, negado ou afastado.

PS: o autor de Eros em agonia e tantos outros livros provocativos sobre a sociedade atual se chama Byung-Chul Han. Boa Quaresma!