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01/08/2020

Vocação à vida: um chamado ao discipulado de Jesus

Por Eduardo Maciel, Seminarista Paulino

O chamado, do vocábulo grego, καλεω , significa “ o escolhido” e a expressão latina vocare, compreende-se por vocação. Quem chama? Quem são os chamados? Escolhidos a quê? E para quê?  para melhor compreender o chamado e a vocação confiada a cada um de nós, precisamos ter a clareza de que não se pode compreender uma vocação sem ter as dimensões pluridimensionais da existência humana: “psicoafetiva, psicossocial, mística, sociopolítico-ecológica e capacitação” ( Documento 85 da CNBB, n. 97).

O Bem-aventurado Padre Tiago Alberione, fundador da família paulina, expressa o mesmo sentido de integralidade da vocação à vida: “Há uma riqueza antropológica, compendiada na tríade “mente, vontade e coração”. Todo o homem é para Deus e para o mundo. E como o homem deve ser salvo na totalidade de seus componentes, assim toda a riqueza pessoal de dotes humanos deve ser expendida para o apostolado. Também a formação deve ser integral: “Todo o homem em Jesus Cristo, para o amor total a Deus: mente, vontade, coração, forças físicas” (AD 100).”.

Só podemos pensar na vocação, se pensarmos no todo, no integral, na completude,  sempre na perspectiva do seguimento autêntico do projeto de Jesus de Nazaré, que é amigo e companheiro de toda a vocação. Não existe chamado e nem vocação “angelical”. É Deus que se relaciona com o ser humano e ele deve corresponder livremente ao seu chamamento, a sua voz. “A palavra ‘vocação’ pode-se entender em sentido amplo como chamada de Deus. Inclui a chamada à vida, a chamada à amizade com Ele, a chamada à santidade, etc. Isso tem um grande valor, porque coloca toda a nossa vida diante de Deus que nos ama, permitindo-nos compreender que nada é fruto dum caos sem sentido, mas, pelo contrário, tudo pode ser inserido num caminho de resposta ao Senhor, que tem um projeto estupendo para nós.” ( Christus Vivit, n. 248).

Todos somos chamados (gr. kletoì) e escolhidos ( gr. ekletoi) , entretanto, para uma diversidade de vocações, mas com o mesmo espírito comum, de promover o bem e a paz entre as pessoas, assumindo o protagonismo da nossa história e missão, dentro de um contínuo processo de  atualização, sinergia, dinamização e integração. Logo, quando falamos de chamado e vocação, não estamos nos referindo somente à vida sacerdotal ou religiosa, mas ao primeiro e mais basilar chamado, à vida humana, que é dom e compromisso. A vocação é integralidade, é escuta, é resposta concreta, é serviço. Tudo se interliga e se conecta: a Fé e a Vida, o Chamado e a Vocação, a Verdade e a Coerência na própria vida, não existe vocação em si, isolada, unidirecional. A vocação se transforma e renova na comunidade, na vivência da solidariedade, na capacidade de superar as relações conflituosas, na diaconia diária. Pois ele é Amor, ele salva, ele vive e o seu espírito age dentro de nós.

Chamado é escuta

É Deus que nos chama e conduz diante de tantos barulhos e ruídos na vida, quase nada ou nada, experenciamos da virtude da escuta. Escutar significa perceber verdadeiramente, parar e até mesmo refletir. O primeiro exercício que podemos fazer é nos colocando na presença do Divino Mestre e perguntando a nós mesmos: O que diz a minha vida hoje? Qual o sentido existencial ela tem? Quais as consequências das minhas ações? É necessário, sem dúvida, escutar a voz de Deus que fala nosso íntimo e ter a capacidade de perceber os sinais dos tempos dentro do projeto de vida na criação.

A vida deve-se fazer uma contínua escuta da voz do Mestre, que deseja caminhar junto conosco. O exercício do silêncio, o exame de consciência (preventivo, avaliativo, conclusivo) e a contemplação da própria vida, são também elementos que podem nos ajudar a filtrar tudo aquilo que nos confundi e nos lança para um emaranhado de informações desnecessárias, para assim, alcançar uma profunda relação de honestidade e transparência de amor, com o Amor.

Chamado é resposta

Deus espera que todos nós, seus filhos e filhas, também possamos corresponder verdadeiramente ao seu projeto de amor, justiça e paz. por isso, o discernimento vocacional deve nos conduzir primeiramente para o encontro íntimo e pessoal consigo mesmo: quem eu sou, qual a minha origem e história, quais as minhas limitações e fraquezas, quais meus medos e sonhos, minhas perspectivas e horizontes; diante do outro: como procedem as minhas relações na família, na comunidade, na sociedade, na igreja; diante da sociedade: como tenho correspondido ao exercício da cidadania e dos valores evangélicos, quais ações concretas tenho realizado em favor do próximo; diante de Deus: como é a minha relação com o Divino, quais espaços de tempo tenho dado para a escuta e o discernimento de sua voz, como tenho procurado corresponder ao chamado que me foi confiado.

 “Meus filhos, por vocês sofro de novo as dores de parto, até que Cristo se forme em vocês.” (GL 4,19), Paulo em sua carta aos gálatas, expressa profundos sentimentos – como de uma mãe em dores de parto –  com a comunidade. O povo que era escravo, torna-se livre em Jesus Cristo, mas para que não regressem à escravidão, é preciso fazer o exercício diário da vigilância na fé, na prática da justiça e na liberdade de filhos. Hoje, portanto, somos chamados a não sermos prisioneiros de nós mesmos e nem da nossa vocação, mas a sermos humanamente corresponsáveis com toda a criação e autênticos discípulos missionários do Divino Mestre, cantando e vivenciando diariamente as palavras do apóstolo Paulo: “Até que Cristo se forme em vós, em mim, em ti, em nós.”*

Chamado é serviço

Todos somos chamados para uma missão, em suas diferentes expressões, realidades e circunstâncias. Tudo o que é feito com amor, se colherá com louvor. Quem ama e concretiza a sua vocação e faz dela seu sentido existencial, esse faz o caminho do discipulado de Jesus Cristo Mestre, Caminho, Verdade e Vida. Quem ama-se e aceita-se como é, faz do seu projeto de vida uma contínua ponte em construção, onde haverá sempre novas estruturas a serem transformadas e aperfeiçoadas, esse também busca, assim como os discípulos de Emaús, deixar seu coração arder pela palavra que liberta e pela comum-união que os une e envia para a missão, nessa relação eucarística. Mas nossa vida não é um jogo ou processo que nunca tem fim, é preciso ter coragem, perseverança e firmeza para a missão de comunicar o Reino de Deus, máxime em meio às novas tecnologias, em sinodalidade com a geração Z, no areópago digital (Mensagem do Papa Emérito Bento XVI para o 45º Dia das Comunicações Sociais, 5 de junho de 2011).

O desejo do Papa Francisco expressa a esperança da humanidade, dizendo ao final da exortação apostólica pós-sinodal: “Queridos jovens, ficarei feliz vendo-vos correr mais rápido do que os lentos e medrosos. Correi atraídos por aquele Rosto tão amado, que adoramos na sagrada Eucaristia e reconhecemos na carne do irmão que sofre. O Espírito Santo vos impulsione nesta corrida para a frente. A Igreja precisa do vosso ímpeto, das vossas intuições, da vossa fé. Nós temos necessidade disto! E quando chegardes aonde nós ainda não chegamos, tende a paciência de esperar por nós.” ( Christus vivit, n. 299).

* Liturgia e Cânticos da família paulina, n. 179