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17/05/2021

Entrevista ao Padre Darci Luiz Marin, ssp

Em 90 anos dos Paulinos no Brasil, um testemunho de serviço e profecia

Darci Luiz Marin nasceu em 1953. Ingressou na congregação dos paulinos em 23 de janeiro de 1965. Foi ordenado presbítero em 12 de dezembro de 1982. Por muitos anos exerceu o apostolado paulino como editor da revista Vida Pastoral; coordenador de comunidades e na formação dos seminaristas Paulinos. Em diferentes períodos foi conselheiro, ecônomo e secretário provincial. Representou a província em dois Capítulos Gerais da Congregação. Mestre em Teologia Moral pela Academia Alfonsiana de Roma, foi professor nesta área durante 15 anos no Instituto Teológico São Paulo (ITESP) e na Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção (SP); exercendo o ministério presbiteral em várias paróquias e comunidades religiosas. Hoje colabora com a missão da Congregação como coordenador de conteúdos dos periódicos da Paulus Editora. Reside na comunidade Jesus Mestre (Vila Mariana) em São Paulo (SP).

Vocacional: Conte-nos um pouco do seu chamado vocacional e como conheceu a sociedade de São Paulo?

Pe. Marin: Essa questão me faz lembrar algumas passagens bíblicas de Deus que chama pessoas para segui-lo de perto desde muito cedo. Por exemplo: “Eu ainda estava no ventre materno e o Senhor me chamou” (Is 49,1); “Antes de formar você no ventre de sua mãe, eu o conheci” (Jr, 1,5); “Deus, porém, me escolheu antes de eu nascer e me chamou por sua graça” (Gl 1,15). Fazendo um olhar retrospectivo também me percebo desse modo. Muito cedo, ainda em família, a vocação foi sendo gestada com práticas concretas de vida cristã e de oração do modo como fazem as pessoas simples. Toda vocação nasce de um ambiente que a desperta e cultiva. As primeiras referências para o despertar vocacional foram-me bastante favoráveis nesse sentido. No período da adolescência, na época da catequese e nos primeiros passos de Seminário, estávamos em pleno andamento do Concílio Ecumênico Vaticano II. Embora a comunicação naquele tempo fosse bastante precária (o acesso aos meios de comunicação era quase inexistente), de algum modo o que estava sendo decidido pelos Padres Conciliares refletiu-se depressa na vida formativa de muitos Seminários, também o nosso.

Conheci os Paulinos por intermédio do Pe. Tomás Clímaco (1928-1997), que era o promotor vocacional em Caxias do Sul (RS) no início dos anos 60. O curioso é que isso se deu por acaso! Pe. Tomás estava conduzindo alguns seminaristas de férias em um velho Jipe. Resolveu parar numa escola primária de beira de estrada e “lançar as redes”. Foi aí que a caminhada vocacional começou!

Voc.: Como religioso Paulino o que o senhor define como consagração religiosa na Sociedade de São Paulo?

Pe. Marin: O que caracteriza a Vida Religiosa é a busca cotidiana de vivência o mais aderente possível ao Evangelho de Jesus Cristo. A Vida Religiosa, no entanto, tem especificidades nessa vivência. No caso da Sociedade de São Paulo (Paulinos) este específico é sublinhado nas Constituições da Congregação, que assim se expressam em seu artigo segundo: “Congregação religiosa clerical de vida apostólica. Seu fim é a perfeição da caridade nos seus membros, conseguida mediante a prática dos votos de castidade, pobreza, obediência e fidelidade ao papa, na vida comum e a evangelização dos seres humanos mediante o apostolado dos meios de comunicação social”.

O desafio específico para nós é o de compatibilizar a essência do Evangelho com o apostolado dos meios de comunicação. Para tanto é preciso estar continuamente atentos aos “sinais dos tempos” e, sintonizados com esses sinais, tornar atual a vivência das bem-aventuranças propostas por Jesus Cristo em seu Evangelho. Antes de tudo sentir-nos alcançados pela misericórdia de Deus para depois sermos propagadores de misericórdia aos outros. A consagração não é para a autorreferencialidade mas para a doação, assim como indica o Mestre Jesus: Caminho, Verdade e Vida – eixo de nossa espiritualidade (cf. Jo 14,6).

Todo cristão, mas de um modo ainda mais evidente quem abraça a Vida religiosa, é chamado a ser testemunha do ressuscitado (cf. At 3,15; Lc 24,48). E quem testemunha é porque viu e, por isso, pode recordar e recontar. Esses verbos caracterizam a identidade da missão. O conteúdo do testemunho não é teórico, nem ideológico, de preceitos ou proibições moralísticas, mas mensagem de salvação, um evento concreto, antes uma Pessoa: é Cristo ressuscitado (cf. Regina Coeli, 19/4/2015). A consagração religiosa na Sociedade de São Paulo tem diante de si a prática deste constante desafio: testemunhar o ressuscitado.

Voc.: Qual foi a herança do bem-aventurado Tiago Alberione para a Igreja?

Pe. Marin: A herança do bem-aventurado Pe. Tiago Alberione (1884-1971) à Igreja é bastante pródiga e generosa. Fundou 5 Congregações e 5 Institutos – que formam a Família Paulina. Em meio aos grandes desafios da primeira parte do século XX, soube ser generoso colocando à disposição da Igreja todas as suas capacidades e dons recebidos. No caso específico da Sociedade de São Paulo, o carisma por ele herdado – apostolado com os meios de comunicação social – não foi facilmente reconhecido. Embora houvesse alguma manifestação esporádica oficial de apoio (ainda que de enorme precaução) – como, por exemplo, a Encíclica Vigilanti Cura, de Pio XI, em 1939; e a Encíclica Miranda Prorsus, de Pio XII, em 1957 – uma manifestação mais positiva veio somente com o Vaticano II, através do Decreto Inter Mirifica, em 1963. Pe. Tiago Alberione estava presente e muito se alegrou com esse sinal de reconhecimento oficial à sua intuição, lançada décadas antes. Novo reconhecimento da consistência da herança deixada por Tiago Alberione deu-se em 27 de abril de 2003, com sua beatificação.

A Sociedade de São Paulo (Paulinos) foi fundada em 1914. A aprovação diocesana deu-se em 1927 e a aprovação pontifícia definitiva deu-se em 1949 (com a aprovação definitiva das Constituições revistas em 1984, no centenário do nascimento do Fundador). Assim como a Sociedade de São Paulo, também os demais Institutos e Congregações que formam a Família Paulina percorreram longa trajetória para obterem o reconhecimento oficial da Igreja. Em cada um deles está presente parcela da herança deixada pelo bem-aventurado Pe. Tiago Alberione para o bem da Igreja.

Voc.: Como os Paulinos estão em comunhão com o Magistério da Igreja e a realidade latino-americana?

No lançamento do livro Sínodo para Amazônia com o Cardeal Humnes (ao centro)

Pe. Marin: Buscamos continuamente a sintonia entre nossa atuação missionária e o magistério da Igreja. Nossas linhas editoriais são profundamente marcadas pelas orientações do Magistério. No presente, as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil e o ditado pelo magistério do Papa Francisco – no que correspondem ao nosso carisma específico – são partes essenciais de nossa atuação missionária. Uma curiosidade que talvez ilustre essa sintonia: o Papa Francisco escolheu nossa casa de Ariccia para fazer os retiros anuais (dele e da cúria romana), durante a Quaresma (com exceção dos últimos dois anos, devido à pandemia). Certos acontecimentos, lidos à luz da fé, deixam entrever a ação do Espírito!

O conteúdo de nossas publicações dialoga construtivamente com o pensamento do papa e dos bispos referenciais da Igreja em nosso país.

Voc.: Hoje vivemos uma realidade de grande polarização, também eclesial, e um constante retorno a costumes antigos. Tendo vivido o período pós-concílio Vaticano II, o que o senhor acha disso?

Pe. Marin: De fato, nos últimos anos vêm se acentuando atitudes de confronto como forma de vida. O sistema capitalista estimula a competição. Como nossa sociedade move-se nele, se não houver contínua vigilância, acaba-se fazendo eco a esse sistema e passa-se a ver no outro um concorrente a ser vencido. No campo político a estratégia é acentuar o confronto para ascender e manter-se no topo da pirâmide. Todo esse caldo cultural de enfrentamento evidentemente atinge também a vida eclesial. No âmbito interno, buscam-se seguranças no legalismo e clericalismo. A tentação é a de aderir a correntes defensoras mais da aparência do que da essência. Velhos modismos medievais retornam com força. As intuições despertadas pelo Concílio Ecumênico Vaticano II são substituídas por modalidades de vida com sabor tridentino e medieval. Tudo isso potencializado pelas redes digitais, criadoras de modismos requentados que facilmente se instalam em mentes e corações débeis, sustentados pela cultura do efêmero.

Todavia, reconhecer onde estamos é o primeiro passo para corrigir os rumos, na constante busca de sintonia entre fé e vida. O proposto pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, há quase sessenta anos, continua a nos desafiar também hoje.

Voc.: Que conselho o senhor daria para um jovem que hoje quisesse entrar nos Paulinos?

Pe. Marin: Para fundamentar uma decisão, em sintonia com essa questão, parece-me oportuno recordar a recomendação da abertura do Ano Jubilar da Vida Consagrada (lembrando 50 anos do decreto Perfectae caritatis), em novembro de 2014, feita pelo Papa Francisco. Na ocasião convocou os responsáveis pelas Congregações religiosas a despertar o mundo, iluminando-o com o testemunho profético e contracorrente. Para tanto o Papa destacava três palavras programáticas: sendo jubilosos, corajosos e de comunhão! E, na conclusão desse Ano Jubilar, o Papa acentuou três pilares básicos para quem abraça a vida religiosa: profecia, proximidade e esperança. Em primeiro lugar, quem busca esse modo de vida é chamado a proclamar, com a própria vida ainda antes do que com a palavra, a realidade de Deus. O rosto de Deus é “compassivo e misericordioso, paciente e cheio de amor” (cf. Sl 103,8). Deus, em Jesus Cristo, fez-se próximo das pessoas. Em seguida vem a proximidade. Seguir Jesus Cristo significa ir lá onde ele foi: carregar, como fez o bom samaritano, o ferido que encontramos nas estradas; procurar a ovelha perdida… Ser como Jesus, próximo das pessoas, compartilhar suas dores e alegrias. Estar distantes dos outros, destacados e fechados, é tornar-se estéril (cf. Encontro do Papa Francisco com os participantes do Jubileu da Vida Consagrada, 1/2/2016). No âmbito da comunicação, que é o próprio do nosso carisma, somos chamados a servir as pessoas. Importa, a exemplo de Jesus Mestre, não viver para nós próprios – com profecia, proximidade e esperança.

Em meio a humanidade marcada por temores, profundas desigualdades e desânimo – nestes últimos anos tudo isso agravado pelas consequências pesadas trazidas pela pandemia –, quem abraça a vida religiosa é chamado a ser portador de esperança. Isso é possível através da força renovadora das bem-aventuranças, da vida simples, de quem se contenta com o essencial.

Essas indicações são importantes também para os jovens que quiserem se juntar a nós. Deixar-se alcançar pelo espírito dos profetas de ontem e de hoje, que não hesitaram e não hesitam oferecer suas próprias capacidades para tornar o mundo mais humano e fraterno.

Em tempos passados, antes de ingressar no Seminário, o candidato recebia uma lista chamada de “enxoval”. Essa lista compunha o necessário para o dia a dia do novo ambiente. Hoje, para quem é candidato, diria que essa lista – para muito além da indumentária clerical – não pode deixar fora o estar disposto a passar de uma visão de mundo de competição e mérito (status), para uma vida de doação e de empatia com os bem-aventurados do evangelho. Esse ideal cristão contará com o apoio da comunidade. Nosso específico é a busca constante de ser apóstolos, comunicando Jesus Cristo e sua mensagem, através dos meios de comunicação. Grande desafio para os jovens da presente era da comunicação digital é dar prioridade à assimilação dos conteúdos do que comunicar e, só depois, preocuparem-se com os meios tecnológicos que estão a serviço dos conteúdos. A tentação é inverter essas prioridades, com o risco de deixar-se levar pelo fascínio das novas tecnologias em detrimento dos conteúdos.

Voc.: Seu apostolado é a Coordenação dos Periódicos publicados pela PAULUS. O que significa essa atividade?

Pe. Marin: Como dizia há pouco, estamos bem sintonizados com o Papa Francisco em nossas edições. Os conteúdos teológico-litúrgico-catequéticos que veiculamos em nossos periódicos alcançam particularmente as periferias mais distantes e esquecidas do país. Nossos periódicos mais conhecidos são Liturgia Diária (30 anos); O DOMINGO (89 anos) – em suas diversas versões; e a revista Vida Pastoral (62 anos). A pandemia que se abateu sobre o mundo nestes últimos anos evidentemente também nos atingiu em cheio. Estamos todos atravessando esta espessa neblina, mas jamais deixando de alimentar a esperança naquilo que veiculamos.

Voc.: Nestes 90 anos dos Paulinos no Brasil qual sua mensagem final?

Pe. Marin: Em meio aos grandes desafios do tempo presente, notadamente as consequência trazidas pela pandemia e pelas polarizações, somos chamados a elevar o nosso olhar para horizontes mais amplos onde o sol da esperança de um mundo melhor há de brilhar. Nesse horizonte vislumbramos novas perspectivas, saindo juntos e melhores da grande provação pela qual todos passamos. A caminho rumo aos 100 anos!