Por Felipe Borges, Seminarista Paulino
No domingo passado celebramos o dia do Índio; ontem celebramos Tiradentes; e hoje, 22 de abril, celebramos o dia do descobrimento do Brasil, no ano de 1500; época das “grandes navegações” e enriquecimento (ilícito) das nações europeias. Como na história da civilização romana, o povo passa despercebido por essas datas, devido o “pão e circo” que lhes é oferecido – por esses dias serem oportunos como feriados, e não como ocasião para rememorar a história, julgar o presente e abrir as portas da esperança para o futuro.
Os primeiros habitantes de nossa terra (pelo que conta a história), que são lembrados no dia 19, sofreram o preconceito por parte dos que se consideravam civilizados, superiores e puros, desde o início da colonização. Preconceito esse recheado de injustiça e opressão, fazendo dessas pessoas escravas e, quando resistiam, eram massacrados.
O monte avistado pelos portugueses quando descobriram o Brasil, por estar próxima a Páscoa, foi intitulado “monte pascoal” – perto da atual cidade de Porto Seguro (BA). O povo de fé, que anunciava a vitória da vida com palavras, proclamava no coração a morte da cultura dos primitivos habitantes destas terras – os indígenas. É oportuno lembrar as palavras do Cardeal Angelo Sodano, durante a homília por ocasião dos 500 anos da primeira missa no Brasil, em 2000:
“Talvez Cristo Nosso Senhor não tenha sido anunciado convenientemente. Isto, porém, não quer dizer que o anúncio do Redentor não tenha sido um dom precioso para este povo. Existem no Brasil belíssimas pedras preciosas. Pode-se oferecer um topázio ou uma ametista num prato velho e sujo; o que não significa que a pedra deixe de ser preciosa. Pode-se, também, dar de presente um diamante com segundas intenções, mas nem por isso ele deixará de ser diamante. Assim, hoje, ao elevar a Deus nosso agradecimento pelo dom da fé, queremos, ao mesmo tempo, pedir-lhe perdão se por acaso ofuscamos a beleza deste dom transmitido aos nossos irmãos.”
Embora saibamos que Deus é pai bondoso e misericordioso, somos chamados a pedir perdão aos indígenas pelo mal praticado a eles ao longo de nossa história, até os dias atuais.
Ao longo de nossa história, houve quem não ficassem calado perante os poderosos, que lançavam no povo o jugo da injustiça e da exploração (nessa época já no século XVIII, 200 anos mais tarde). Um deles foi José da Silva Xavier (1746-1792) – por ser dentista ficou conhecido como Tiradentes – que se rebelou contra o império português e contra o governo do Visconde de Barbacena; devido os excessivos impostos que se abatiam sobre o povo – para dar conforto e vida luxuosa à coroa portuguesa e seus beneficiados. O movimento do grupo, do qual Tiradentes fazia parte, ficou conhecido como Inconfidência Mineira. A maior parte dos inconfidente sofreu punições severas: os que confessaram sua revolta foram presos e exilados; exceto Tiradentes, que foi enforcado, decapitado e esquartejado. “E para que os súditos da Coroa nunca se esquecessem da lição, a cabeça de Tiradentes foi encravada num estaca e exposta em praça pública em Vila Rica, e seus membros espalhados pela estrada que levava ao Rio de Janeiro.” 1
Ainda hoje os altos impostos continuam consumindo vidas: mesas sem pão, barrigas vazias e muitos pais de família com “a cabeça decepada” de preocupação e aflição por não terem o que dar de comer aos seus filhos. Enquanto isso os poderosos em seus gabinetes, com sua políticas ultraliberais, seus altos salários e mordomias, que deveriam estar a serviço do povo empobrecido, dele se servem e exploram.
Por isso, neste dia que se convencionou ser o do descobrimento do Brasil, é recomendável lembrar: Brasil somos cada um de nós! Há um Brasil idealizado e outro real. O Brasil real se manifesta diariamente nos noticiários: pronunciamentos preconceituosos e torpes por parte de importantes autoridades; pessoas passando fome, sendo ocultadas pela grande mídia; altos índices de violência; uma pandemia que deveria ser enfrentada com seriedade; pessoas padecendo em filas de hospitais; desemprego crescente e uberizado; multidões perambulando sem abrigo pelas ruas das grades cidades…
Por isso, o Brasil precisa ser coberto, não descoberto. Coberto pelo respeito às diferentes etnias; pela fartura na mesa de todos; pela saúde com qualidade e eficácia; pela educação libertadora; pela real divulgação dos fatos; pelo fim de um vírus maior que o Covid-19, qual seja o vírus da indiferença; por moradias dignas para todos; por saneamento básico em todas as regiões geográficas; por representantes com atitudes e palavras plenas de humanidade e carinho pelo povo mais sofrido; por pensamento crítico e ações diárias por parte de cada um de nós, vale lembrar os versos de Patativa do Assaré, em seu poema “Eu quero”2:
“Quero um chefe brasileiro
Fiel, firme e justiceiro
Capaz de nos proteger,
Que do campo até à rua
O povo todo possua
O direito de viver.
Quero paz e liberdade
Sossego e fraternidade
Na nossa pátria natal
Desde a cidade ao deserto,
Quero o operário liberto
Da exploração patronal.
Quero ver do Sul ao Norte
O nosso caboclo forte
Trocar a casa de palha
Por confortável guarida,
Quero a terra dividida
Para quem nela trabalha.
Eu quero o agregado isento
Do terrível sofrimento,
Do maldito cativeiro,
Quero ver o meu país
Rico, ditoso e feliz,
Livre do jugo estrangeiro.
A bem do nosso progresso,
Quero o apoio do Congresso
Sobre uma reforma agrária
Que venha por sua vez
Libertar o camponês
Da situação precária.
Finalmente, meus senhores,
Quero ouvir entre os primores
Debaixo do céu de anil
As mais sonorosas notas
Dos cantos dos patriotas
Cantando a paz do Brasil.”
1 FIGUEIREDO, Lucas. Boa Ventura! A corrida do ouro no Brasil (1697-1810). Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 295.
2SALGUEIRO, Whilberth. Eu quero de Patativa do Assaré. Disponível em: http://rascunho.com.br/eu-quero-de-patativa-do-assare/. Acesso em 20 Abr. 2020.