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08/10/2020

Dia nacional da Vida: Reflexão e oração

Por Eduardo Maciel, Seminarista Paulino

“Nossos povos não querem andar pelas sombras da morte. Têm sede de vida e de felicidade em Cristo. Buscam-no como fonte de vida. Desejam essa vida nova em Deus, para a qual o discípulo do Senhor nasce pelo batismo e renasce pelo sacramento da reconciliação. Procuram essa vida que se fortalece, quando é confirmada pelo Espírito de Jesus e quando o discípulo renova sua aliança de amor em Cristo, com o Pai e com os irmãos, em cada celebração eucarística. Acolhendo a Palavra de vida eterna e alimentados pelo Pão descido do céu, o povo quer viver a plenitude do amor e conduzir todos ao encontro com Aquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida”. (DAp, n.364)

“Dá-nos hoje e amanhã a vida”

A vida irrompe os limites geopolíticos, identitários e culturais, porque o próprio Deus quis habitar no meio da humanidade, fazendo de nós um único corpo. A vida transcende as projeções, expectativas e estereótipos, porque faz parte do Mistério do próprio Deus. O documento de Aparecida é um forte grito à conversão social, pastoral, cultural, política, econômica e ambiental. Esse grito de vida plena na diversidade, deve caminhar junto conosco hoje, discípulas e discípulos missionários de Jesus de Nazaré. O discipulado implica formar pensamento crítico, testemunhar o evangelho da vida, denunciar toda forma de violência, ameaça e morte e ser agente de transformação entre as pessoas, sobretudo para aqueles/as cujas vozes são silenciadas por estruturas de dominação e alienação.

Prevenindo-se dos vírus do moralismo, legalismo, instrumentalização e sexismo, geradores de inúmeras polarizações e tantas outras formas de violência e ameaça à vida, somos, mais do que nunca na história, conclamados a unirmos nossas vozes em um único, comum e orgânico grito de direito à vida digna.

“Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Mt, 15, 9). Não somos detentores ou juízes da vida, somos, diante do criador, de igual dignidade, e não podemos nos autointitularmos “cientistas de Deus”, onde fazemos do outro um mero tubo de ensaio, a ser descartado a qualquer momento. Hoje, somos convidados a acolher, cuidar e defender a vida, não podemos fechar nossos olhos diante da realidade de tamanha crueldade e insensibilidade –  assim como na época de Jesus –, onde uma vida tem mais direito que a outra e, por isso, menospreza a vida de quem não pode ser acolhido, cuidado e defendido. E quantos hoje não se acham no direito de ditar o desígnio existencial do outro/a, fazendo da vida um número matemático ao invés de um ser humano?

“ Dá-nos hoje o pão de amanhã”

Jesus é o pão da vida, o pão do agora, o pão do amanhã, o pleno alimento. Ao longo de sua vida  instaurou um transformador e autêntico modelo de dignidade humana, não mais a “Lei de Talião” (mais conhecida como “olho por olho dente por dente”), mas a lei do amor-compromisso e da comum-união entre a humanidade, ou seja, se naquela época só alguns tinham direito ao “pão nosso de cada dia”, ele educa para que, a partir da consciência crítica e sensível (nova mentalidade), da partilha e da fraternidade (novo modo de vida), as pessoas, as comunidades, as estruturas políticas, sociais e religiosas, compreendessem o valor inviolável, imensurável e transcendental da dignidade da vida humana.

O pão tem um sentido dúplice: o próprio Cristo, que é o “Pão de todo o vivente”,  e o pão físico, que verdadeiramente dá subsistência ao ser humano e o faz dar continuidade ao seguimento de Jesus. Percebemos, assim, a inseparabilidade entre a fé e a vida; ambas são intimamente interligadas e mantém uma relação unitiva, de modo que uma dá sentido à outra, uma completa a outra. São duas mesas indispensáveis: a da fração do pão, que é o próprio Cristo, e a da refeição material, que sustém a vida na peregrinação terrestre. Não são dissociadas, não podem ser e não podemos permitir.

Diante disso, três atitudes podem nos ajudar no processo da conversão (mudança). É necessário, antes de tudo, abertura de mente e coração. O Espírito só age quando estamos dispostos a tomar uma postura honesta e coerente, em detrimento de uma autêntica e integral mudança de vida.

Acolher

Aceitar a vida parece ser uma atitude óbvia e verdadeira em todos os aspectos, mas será que acolher a vida é tão simples assim? Quando o outro provoca em nós um sentimento de maldade e perversidade, qual a nossa atitude diante da situação? Como acolher quem é diferente de nós, quem
pensa diferente de nós? Como acolher quem não faz parte do nosso círculo de relações? Como acolher alguém que não se enquadra nos nossos “padrões”? Como acolher quem cheira mal, por viver em situação de rua?

Esse é o desafio para acolher a vida do outro que se apresenta diante de nós, todos os dias, todas as horas. Não uma acolhida de sorrisos e assistencialismo passageiro, mas uma acolhida que humanize e transforme verdadeiramente. Aquela que Jesus de Nazaré realizou por onde passou, que não excluiu, mas acolheu; aquela que não afastou, mas integrou; aquela que não julgou, mas transformou. Parece ser tão fácil dizer em palavras, mas colocá-la em prática é o que nos compromete de fato. A conversão da mentalidade – que consequentemente deveria nos levar a agir – deve ser um “salmo”, ofertado cotidianamente, porque a vida grita por acolhida recíproca e compromissada.

Cuidar

“O caminho da vida é este: em primeiro lugar, ame a Deus, que criou você. Em segundo lugar, ame a seu próximo como a si mesmo. Não faça a outro nada daquilo que você não quer que façam a você” (catecismo dos primeiros cristãos, n. 2 ). O cuidado com a vida não é simplesmente um preocupar-se ou reduzi-la a um momento. O cuidado implica responsabilidade integral na relação. Quem cuida do outro, entende o sagrado presente em cada filho e filha de Deus. É a imagem do Divino encarnado em cada criatura. É expressão divina em cada criação, é um sacramento, porque o próprio Cristo é sacramento em plenitude.

O cuidar é um sair de si, despojar-se do egoísmo, individualismo, reducionismo, é transcender da própria condição. Quanto mais eu cuido, mais eu sou capaz de amar. Quanto mais eu amo, mais eu sou capaz de transformar. A lógica apresentada por Jesus não é a mesma dos homens, porque enquanto se preocupavam com o ter e não o ser, Jesus ouviu, sentiu compaixão e cuidou deles. A verdadeira acolhida não visa o interesse, não visa uma publicação, mas é aquela que nasce das entranhas, que sai dentro, simples, nas pequenas coisas, nos pequenos gestos, pura, autêntica.

Defender

“Desejo ardentemente que, neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um anseio mundial de fraternidade. Entre todos: ‘Aqui está um ótimo segredo para sonhar e tornar a nossa vida uma bela aventura. Ninguém pode enfrentar a vida isoladamente (…); precisamos duma comunidade que nos apoie, que nos auxilie e dentro da qual nos ajudemos mutuamente a olhar em frente. Como é importante sonhar juntos! (…) Sozinho, corres o risco de ter miragens, vendo aquilo que não existe; é juntos que se constroem os sonhos’. Sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos”. ( Fratelli Tutti, n. 8).

Defender a vida não é apenas tomar uma atitude para preservar, ou afastar o mal, mas deve ser um contínuo processo de presença frente qualquer expressão que contrarie o projeto do Reino de Justiça e Paz. Acontece quando não banalizamos a vida, não fazemos dela um produto do supermercado, quando não nos vestimos com os paramentos da indiferença. Ser presença defensora da vida é amar com verdade. É ser presença companheira, é ser presença de transformação, sobretudo daqueles cujo defensor é só Jesus, porque é ignorado, fica à margem, é excluído dos círculos sociais. Somos chamados por Jesus a enxergarmos aquilo que a vida é, sagrada. Enxergarmos quem grita por justiça, por dignidade, pelo direito de viver.

Oração pela Vida

Jesus Caminho, que sois um com o Pai,

e andais junto conosco, peregrinos do agora,

em meio à humanidade, ajudai-nos a transformar a realidade

e a sermos autênticos discípulos(as) missionários(as),

em favor dos mais vulneráveis e sofredores da humanidade.

Jesus Verdade, que sois a encarnação do Amor,

abri nossas mentalidades para acolhermos toda a forma de vida

e a sermos sensíveis aos sinais dos tempos.

Jesus Vida, que sois um com o Espírito Santo,

Suscitai em nós um verdadeiro compromisso em favor da vida,

para que possamos corresponder ao vosso projeto de vida plena para todos.

Rainha dos Apóstolos,

Mãe da Vida,

Mestra da dignidade humana,

Intercedei por nós,

Para que o teu exemplo de dom e compromisso,

Reavive em nós o ardor pelo cuidado com a criação,

lado a lado com Jesus Cristo Mestre, Caminho, Verdade e Vida, amém!