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02/03/2023

Alberione teria “uma palavra” sobre a Inteligência Artificial?

Por Felipe Borges, Noviço Paulino

O meio de comunicação mais potente no tempo do padre Alberione era a imprensa: o livro, o jornal…

É significativo recordar a exortação do Pe. Rosário Espósito, ssp (1921-2007), no livro Carissimi in San Paolo [1], ao observar: “Na obra do nosso Pai devemos evitar de buscar aquilo que efetivamente não há. Nele há uma vocação, que é de extração carismática; ele é um mestre de vida, um fundador. Se nos afadigarmos a descobrir outras características nos colocaremos fora do caminho e andaremos ao encontro de sérias desilusões”.

Partindo dessa observação, ao refletir sobre temas atuais – tal como o da Inteligência Artificial (IA) – estamos conscientes de que não pertencem à época do bem-aventurado Pe. Tiago Alberione. No entanto, pertencem ao carisma por ele deixado: evangelizar com os meios mais modernos e velozes que a tecnologia possa dispensar a nós; ele que “aspirava formar apóstolos e apóstolas segundo as exigências dos novos tempos”[2].

Durante muito tempo pensou-se que jamais as máquinas possuiriam características que lembrassem a inteligência humana. Considerou-se haver nítida separação entre o cérebro humano e as máquinas por ele desenvolvidas e operadas. Porém, hoje, sabemos que é uma realidade, e ela se chama IA. Assim, muitos dispositivos criados pelo ser humano desempenham funções, sem necessitar da sua interferência, através do software –dispositivo orientado pelos algoritmos que auxiliam no processo de informação e comando; à semelhança do que ocorre na combinação dos ingredientes numa receita de bolo.

Os algoritmos contribuem no mundo digital para o funcionamento da IA, fornecendo os dados mais relacionados com à pessoa que utiliza aquele meio; como, por exemplo, um site de compras, no qual o que mais vem aparecendo é o que mais a pessoa se interessa por pesquisar: o big date diário. Saltando a parte técnica e indo para a vida cotidiana, podemos notar a presença da IA; desde aplicativos de localização, como o Waze, até programas de computador que substituem atendentes no comércio – como, por exemplo, numa compra de um fast-food.  Quem já não passou por atendimentos como esses?

É louvável o trabalho oferecido pela IA, ao facilitar a vida cotidiana. Porém, como tudo o que é feito pelo ser humano, tem seus limites e contradições. Por mais que as máquinas tenham a capacidade de desenvolver continuamente sua inteligência, não são o cérebro humano em toda sua potência, apenas possuem uma inteligência restrita àquela situação à qual foi programada. Assim, tantas vezes, podem ser usadas como forma de controle das consciências, através da redução do pensamento das pessoas àquela realidade à qual conduz o algoritmo; como, por exemplo, nas redes sociais. Isso pode ser percebido nos discursos radicais de pessoas que não têm interesse em conhecer outros pontos de vista. Desenvolvem “mentes fechadas”, delimitadas como a inteligência mecânica do algoritmo. São incapazes de dialogar, de ver além, de ter senso crítico do que se lhes apresenta. A partir daí propagam as famosas “narrativas”.

Outro problema é o nível a que estão chegando esses dispositivos (de IA). O desempenho tecnológico desses mecanismos está sendo acompanhado pela inteligência humana? Há o perigo de os criadores de tais dispositivos deixarem de lado a importância do ser humano nesse processo, substituindo-o pela máquina. Segundo Stefano Zamagni, professor ordinário de Política da Universidade de Bolonha, o futuro dessa realidade, que já começou, é especificado no termo “transumanismo” – que “propõe a alteração da condição humana através da razão e da tecnologia, para ajudar a humanidade a entrar em uma fase caracterizada não mais pela seleção natural, mas pela seleção intencional … Trata-se de passar do homo sapiens ao homo technologicus: a machina loquens está se humanizando, e o homem está se tornando cada vez mais maquinizado”[3].

Diante de tal realidade não podemos ser apocalípticos, desprezando as maravilhas das novas tecnologias. A IA amplia nossas capacidades e horizontes. No entanto, para sermos “superiores, não escravos delas; com a razão, com a fé, com a graça, conforme a vontade de Deus” (DF 23) – como já exortava o Pe. Tiago Alberione aos seus filhos e filhas, em 1932[4]].

Como apóstolos da comunicação, dos meios modernos e eficazes, somos chamados a não nos deixar escravizar pelas maravilhas da IA, mas com o reto uso da razão e da fé, sermos sagazes no dominá-la e não deixar-nos dominar e nem dominar os outros. Não nos é permitido repetir, acriticamente, o que dizia uma senhora, em recente reportagem: “acredito porque está ali no WhatsApp”!

Somos parte de uma sociedade que pouco reflete e mede suas escolhas e pensamentos. Por isso mesmo, em meio ao benefício e o desafio da IA, continua válido o conselho deixado pelo Pe. Tiago Alberione: “Começar um bom jornal, construir uma paróquia, abrir um cinema educativo, proporcionar espetáculos televisivos e transmissões radiofônicas sadias e formativas… obras que valem tanto quanto uma boa escola; e, feitas as devidas proporções, pode-se dizer: ‘ações que irão fechar várias prisões’”[5]. Os meios digitais potencializam ainda mais essas possibilidades hoje.

Ingressa-se nesse caminho ao estar dispostos a transformar a nossa mente, abrindo-a para tudo o que promove a liberdade do homem em Cristo. Pe. Tiago Alberione exortava: “a mente, preenchida de bem, será esvaziada do mal; da mesma forma que para eliminar o ar da garrafa basta enchê-la de água. Não se chega a nenhum resultado se, pretendendo expulsar as trevas de um quarto, agitarmos ou batermos a vassoura ou a toalha. Colocai, no entanto, uma lâmpada acesa, e as trevas desaparecerão num instante”[6]. Conduzindo sempre cada coração a um eloquente encontro com Senhor por meio dos valores do Evangelho, como recordava o Papa João Paulo II: “porque se não houver lugar para Cristo, não haverá lugar para o homem”[7] e sim lugar para o ódio, manipulação das consciências, discriminação, injustiça e tantos outros males.

Ainda que não pertença ao seu período histórico, Pe. Tiago Alberione tem muito a nos dizer sobre IA, deixando-nos diretivas e conselhos para não ser escravos das coisas criadas e ser portadores do Evangelho da liberdade. O apóstolo da comunicação, inflamado de zelo pelo bem das pessoas, “faz uma reparação negativa, mas principalmente positiva… Essa reparação consiste no exercício direto do apostolado das edições: opor imprensa a imprensa, filme a filme, rádio a rádio, televisão a televisão. Isso significa opor a verdade ao erro, o bem ao mal, Jesus Cristo a Satanás”[8]. Em outras palavras, nos nossos dias somos convocados a reparar (corrigir, remediar) o que ocorre no uso dos meios tecnológicos sustentados pela IA com o exemplo do reto uso desses meios, e a produção de mecanismos e subsídios para o seu uso saudável, consciente e construtivo.

Referências:

[1]Rosário Espósito (Org.), Carissimi in San Paolo, Roma: Edizioni Paoline, 1971, p. 6*

[2] Antonio da Silva,  DFin: Donec Formetur Christus in vobis – introdução,  São Paulo, PAULUS, 2007, p. 41.

[3] Stefano Zamagni, “La sfida delle intelligenze artificiali”,  Vita Pastorale (Revista Vida Pastoral, da Itália), janeiro de 2022, p. 24 e 25.

[4] Tiago Alberione, Donec formetur Christus in vobis: meditações do Primeiro Mestre, São Paulo, PAULUS, 2007, p. 186.

[5] Tiago Alberione, Alma e Corpo para o Evangelho, São Paulo: PAULUS, 2012, p. 92.

[6] Tiago Alberione, Alma e Corpo para o Evangelho, São Paulo: PAULUS, 2012, p. 92.

[7] João Paulo II, Mensagem  para a celebração do  36° Dia Mundial Das Comunicações Sociais: «Internet: um novo foro para a proclamação do Evangelho», 2002.

[8] Tiago Alberione,  L’apostolato. In: Rosário, Esposito (Org.), Carissimi in San Paolo,  Roma: Edizioni Paoline, 1971, p. 372-373

*Carissimi in San Paolo (Caríssimos em São Paulo) é uma seleção dos escritos inéditos do Pe. Alberione – no Boletim interno da congregação dos Paulinos chamado “San Paolo”, entre os anos 1933 a 1969 – feita pelo Pe. Rosário Espósito e outros colaboradores.

 

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