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27/05/2020

A imagem de Maria na Bíblia

Por Ir. Deivid Tavares, ssp

“Maria é a Virgem que sabe ouvir, que acolhe a palavra de Deus com fé; fé, que foi para ela prelúdio e caminho para a maternidade divina, pois, como intuiu Santo Agostinho, “a bem-aventurada Maria, acreditando, deu à luz Aquele (Jesus) que, acreditando, concebera” na verdade, recebida do Anjo a resposta à sua dúvida. “Ela, cheia de fé e concebendo Cristo na sua mente, antes de o conceber no seu seio, disse: “Eis a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra”; fé, ainda, que foi para Ela motivo de beatitude e de segurança no cumprimento da promessa: “Feliz aquela que creu, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido”; fé, enfim, com a qual ela, protagonista e testemunha singular da Encarnação, reconsiderava os acontecimentos da infância de Cristo, confrontando-os entre si, no íntimo do seu coração. É isto que também a Igreja faz; na sagrada Liturgia, sobretudo, ela escuta com fé, acolhe, proclama e venera a Palavra de Deus, distribui-a aos fiéis como pão de vida, à luz da mesma, perscruta os sinais dos tempos, interpreta e vive os acontecimentos da história”. (MARIALIS CULTUS, nº 17)

Pela fé, somos chamados a imitar os passos do Mestre, no intuito de viver firmemente a própria vocação, assim como viveu Maria na missão de mãe do Salvador, Jesus Cristo. A Maria que viveu em Nazaré, caminhou na fé como mãe, educadora e aprendiz (discípula) de Jesus é a Maria glorificada que está na comunhão dos santos e em um lugar especial: “mais perto de Jesus, seu filho e Senhor nosso – e estando mais perto dele está mais perto de nós”.

Este modelo de ser vivente possibilitou a humanidade reconhecê-la como a “bem-aventurada entre todas as gerações” (cf. Lc 1,48), a simples jovem de Nazaré admirada aos olhos de Deus. Diante do presente fato, para melhor traduzir a imagem mariana na Bíblia, busquei por meio de uma composição musical apresentar a imagem daquela que chamamos de Theotokos:

 

Perfeita discípula,

Peregrina na fé!

Imagem do pobre sofrido,

A escolhida de Nazaré

||Que por Deus foi agraciada

E pelo Espírito iluminada.|| (bis)

Maria, da Igreja exemplo fecundo.

Mãe de Deus e Senhora do mundo

Conduzi-nos a Jesus.

Fiel educadora,

Que aponta para Jesus

Persevera nas vias da vida

E que a Deus a todos conduz

||Pede ao Filho na festa presente

Que não falte o vinho a esta gente.|| (bis)

Maria, da Igreja exemplo fecundo.

Mãe de Deus e Senhora do mundo

Conduzi-nos a Jesus.

Menina, mulher e mãe,

que no ventre gerou o Messias.

De José a fiel companheira

Tão de Deus, tão humana e querida.

||A figura da comunidade,

Que caminha na luz da verdade.||(bis)

Maria, da Igreja exemplo fecundo.

Mãe de Deus e Senhora do mundo

Conduzi-nos a Jesus.

A canção acima apresentada, tem a proposta de mostrar a pessoa de Maria na Bíblia, por meio dos Evangelhos. Porém, uma Maria que caminha com o povo, sendo exemplo de fé e de serviço a Deus, como a filha de Sião amada e predileta. A centralidade dos Evangelhos, como se sabe é Jesus Cristo. E a presença de Maria é sinal que referencia seu Filho e à comunidade que o segue. Então, a pessoa de Maria complementa a grande totalidade da mensagem de Jesus. A ideia de destaque a Maria nos textos é muitas vezes mal compreendida pela razão de que ela está sempre como apoio ao centro que é o Filho.

Analisando a canção, vemos:

Perfeita discípula,

Peregrina na fé!

Imagem do pobre sofrido,

A escolhida de Nazaré

Que por Deus foi agraciada

E pelo Espírito iluminada.

 

Na primeira estrofe, a Mariologia apresentada é a do Evangelho de Lucas; Maria é exposta como a discípula por excelência, isso para dizer que o discípulo de Jesus é aquele que ouve o seu apelo, segue-o e dele aprende no caminho da vida. É dessa maneira que o evangelista traça a imagem de Maria: “aquela que ouve a Palavra de Deus com fé, guarda no coração e a põe em prática”[1]. Sua imagem, escolha e agraciamento por Deus está embasada na anunciação do anjo Gabriel e também pelo louvor do Manificat, na casa de sua prima Isabel. O anúncio da encarnação do Filho de Deus no ventre da jovem Maria já antecipa qual é a sua verdadeira vocação: não a de uma Rainha repleta de brocados de ouro e de realeza, como a mãe do Rei, mas, por meio de sua singela resposta ao anjo e seu sim a Deus, sua vocação é a de fiel servidora do Reino.

No Magnificat, vemos a imagem de Maria como aquela que acolheu a vontade de Deus na vida e proclamou as suas maravilhas, porque ele fez a opção pelos pobres. Este louvor, proclamado por Maria, é o clamor do povo sofrido, que Lucas retoma depois como o clamor de todos os cristãos.

O fato de o Evangelista pôr todo o hino, tal como está hoje redigido, sobre os lábios de Maria, mostra que esta aparece como a digna representante da Comunidade primitiva, tanto em sua pobreza e sofrimento, e principalmente, em sua fé […] Maria é a personificação da Igreja, seu typus ontológico, moral e escatológico, como viram os Padres e como relembrou o Vaticano II (cf. LG 63,64 e 68).[2]

Segundo Lucas, Maria foi a agraciada por Deus. Esse termo agraciada, mostra sua predileção especial aos olhos do Criador e a sua participação como servidora no projeto salvífico do Reino. Concebida pelo Espírito Santo, ela torna-se caminhante rumo aos apelos de Deus, como mulher generosa, humilde e disponível a dar seu sim, em um querer de fé. E, através de seu caminhar, o ser humano é convidado a pôr-se a caminho, sendo fiel discípulo do Cristo que fez gente e habitou entre nós. O modelo mariano que Lucas propõe é o do serviço peregrinante de fé no Filho de Deus por meio de Maria, sua mãe, a primeira discípula dentre todas as pessoas.

Analisando a segunda estrofe:

Fiel educadora,

Que aponta para Jesus

Persevera nas vias da vida

E que a Deus a todos conduz

Pede ao Filho na festa presente

Que não falte o vinho a esta gente.

 

Nessa segunda estrofe, a Mariologia apresentada vem do Evangelho de João. João expõe Maria em dois momentos: nas Bodas de Caná e junto a Jesus na cruz com o discípulo amado. Maria é expressada como a fiel educadora, a pedagoga na fé, que anima e orienta a comunidade a seu filho Jesus, assim como diz do documento de Puebla:

“Enquanto peregrinamos, Maria será a mãe educadora da fé (LG 63). Ela cuida que o Evangelho nos penetre intimamente, plasme nossa vida de cada dia e produza em nós frutos de santidade.”.[3]

Maria é pedagoga, mãe da comunidade cristã e servidora que estimula a humanidade a fazer a vontade de seu filho Jesus. Maria em João nos ensina que a alegria da festa não se acaba com a falta do vinho, mas a alegria continua na felicidade do outro e na colaboração com as necessidades do próximo. “Afonso MURAD em seu compêndio de Mariologia, fala que Maria é uma mulher atenta às necessidades das pessoas, movida pela bondade e pela caridade. Exercita sua sutileza feminina (que deve ser uma qualidade de homens e de mulheres), percebe os detalhes da situação, e é solícita para responder a quem precisa. Zela para manter a alegria da festa”.[4]

Agora, analisando a terceira estrofe:

Menina, mulher e mãe,

Que no ventre gerou o Messias.

De José a fiel companheira

Tão de Deus, tão humana e querida.

A figura da comunidade,

Que caminha na luz da verdade.

 

Nessa terceira estrofe, a Mariologia apresentada vem dos Evangelhos de Mateus e Marcos. Mateus de alguma maneira faz referência a infância de Maria, quando em Nazaré a jovem foi visitada pelo anjo. A menina inocente da simples comunidade, que sendo escolhida por Deus para ser a mãe do Emanuel, Deus-conosco, torna-se mulher feita e imagem simbólica da comunidade cristã, tornando-se depois a mãe do Filho de Deus. Mas como se sabe, o personagem destaque neste Evangelho é José, seu prometido, que a acompanha na humildade e no respeito de um homem que, temente a Deus, acolhe-a como sua esposa e adota o Filho de Deus, como seu filho adotivo; um amor bondoso que entre o casal, gera fidelidade e o compromisso mútuo, onde é visto nos relatos do próprio Evangelho.

Maria, uma simples mãe, tão agraciada aos olhos de Deus, é vista no Evangelho de Marcos como a partícipe da família de Jesus. “Quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmãos, irmã e mãe”.[5] Jesus não rejeita sua família, tampouco sua mãe, mas a coloca como participante que caminha em missão junto a ele, desde o nascimento até a morte de Cruz.

Em Apocalipse no capítulo 12, a imagem da mulher fugindo do dragão que deseja devorar o seu filho ao nascer, não é a pessoa de Maria, mãe de Jesus. O texto é aplicado a Maria, mas não com aquela realeza que foi impregnada ao longo dos tempos, por meio das devoções e práticas piedosas. A verdadeira imagem, a figura de Maria no Apocalipse é a da comunidade que caminha esperançona e cheia de fé e confiança na feliz liberdade para todos.

E, agora, analisando o refrão:

Maria, da Igreja exemplo fecundo.

Mãe de Deus e Senhora do mundo

Conduzi-nos a Jesus.

 

É possível perceber que:

O refrão é na verdade um elogio a Maria, que é sem dúvida um exemplo de seguidora que aponta cada ser humano a Jesus. Ela deseja que todos sigam a seu Filho, o Salvador e libertador de toda humanidade sofrida. Maria é mãe de Deus e Senhora do mundo, não por realeza de ser a mãe do Rei do universo, mas porque soube compreender na sua humildade e pobreza os desígnios de Deus para todos os povos, através do seu olhar maternal e cuidadoso.

Dessa forma, a canção tem como proposta uma teologia bíblica de Maria, baseada nos evangelhos e Apocalipse, mostrando realmente como os Evangelhos apresentam a pessoa da mãe de Jesus, não como uma semideusa, Rainha e poderosa, mas como a discípula, serva e educadora, filha do seu Filho.

 Ir. Deivid Tavares, ssp é religioso paulino, mestrando em Teologia com concentração em Liturgia, pela PUC – SP. É responsável pelo Serviço de Animação Vocacional dos Padres e Irmãos Paulinos do Brasil

[1] Cf. MURAD, 2012.p. 54.

[2] BOFF, 2006. p. 327.

[3] DOCUMENTO DE PUEBLA, nº 290.

[4] MURAD, 2012. p. 94.

[5] Cf. Mc 3,31-35.

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