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26/11/2020

“Universalidade de amor”: Alberione e a Fratelli tutti

Por Pe. Antonio F. da Silva, ssp

Logo após a publicação da Encíclica Fratelli tutti, dediquei muitas horas, em dois dias, para lê-la atentamente. Mas durante todo o tempo ficaram na minha mente três de seus primeiros números, porque me lembravam muito um texto do nosso Bem-aventurado Tiago Alberione.

O primeiro trecho encontra-se no número 8:

“Desejo ardentemente que, neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um anseio mundial de fraternidade. […] Sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos”.

O n. 10 dá um exemplo daquele que foi um dos sonhos de uma “única humanidade”:

“Durante décadas, pareceu que o mundo tinha aprendido com tantas guerras e fracassos e, lentamente, ia caminhando para variadas formas de integração. Por exemplo, desenvolveu-se o sonho de uma Europa unida, capaz de reconhecer as raízes comuns e de alegrar-se pela diversidade que a habita”.

Mas, imediatamente, no número seguinte, uma nuvem escura se abre diante de nossos olhos e de nossa mente, levando a trepidar nosso coração:

“Mas a história dá sinais de regressão. Reacendem-se conflitos anacrônicos que se consideravam superados, ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos. Em vários países, uma certa noção de unidade do povo e da nação, penetrada por diferentes ideologias, cria novas formas de egoísmo e de perda do sentido social mascaradas por uma suposta defesa dos interesses nacionais”.

Esse retrato da humanidade atual trouxe-me à mente um corajoso ensinamento do Padre Alberione.

Apesar de alguns pareceres, no passado, sobre seu pensamento a respeito do fascismo, sempre encontrei que foi de grande coragem um seu texto, redigido exatamente um dia após a publicação no Giornale d’Italia, dia 15 de julho de 1938, do “Manifesto da Raça”, sob o título “O Fascismo e os problemas da raça”. Manifesto que, no dia 5 de agosto, foi aprovado por 10 cientistas, e, nos meses sucessivos, foi seguido pela promulgação das tristemente famosas leis raciais, que excluíam absolutamente da vida civil os hebreus e exaltavam a tal raça ariana.

Pois bem, exatamente um dia após a publicação desse manifesto da raça, no dia 16 de julho de 1938, Festa de Nossa Senhora do Carmo, Padre Alberione redigiu, para a Circular Interna, das Filhas de São Paulo, o texto que, fora de dúvidas, podemos relacioná-lo à Frattelli tutti.

Exatamente no dia seguinte à publicação do manifesto que abria a estrada para a exclusão dos hebreus, Padre Alberione redige, a maneira de carta aberta, o texto que pode ser considerado como o seu “manifesto da universalidade do amor”. Inicia energicamente: “Sede Filhas de São Paulo!” Filhas e filhos de São Paulo, com o coração e a mentalidade de Jesus Cristo, animados pela universalidade do seu amor, para saber tratar “com o Hebreu, com o Grego, com o Romano, com os montanheses, os pescadores, os marinheiros, os areopagitas, os nobres, os escravos”.

Num clima de crescente hostilidade antissemita, Don Alberione se opõe corajosamente escrevendo em primeiro lugar: o “saber tratar com o Hebreu”, mandando às favas a tal de “raça ariana”!

E não só isso, mas proclama o princípio paulino da enculturação universal: “Além disso: adaptemo-nos à língua, aos costumes, exigências, leis, usos, hábitos, tendências, ambições nacionais em si boas ou indiferentes sob o aspecto moral, bastando levar à aceitação do espírito, da vida de fé, das virtudes, dos meios de santificação, como teria feito São Paulo”.

Diz-se, aliás, que até entre alguns paulinos daquele tempo já se insinuava algum entusiasmo por atitudes do regime então em vigor na Itália.

Também nesse nosso tempo, no qual “ressurgem nacionalismos fechados, exasperados, ressentidos e agressivos”, o texto aqui reproduzido, do Pe. Alberione, e os caminhos traçados pela Encíclica Fratelli tutti são um dom e um premente convite a acolhermos e a trabalhar para “fazer renascer entre todos uma aspiração mundial à fraternidade”, à paulina “universalidade do amor”.

* *  *

“Roma, Nossa Senhora do Carmelo 1938[1]

     Sede Filhas de S. Paulo! Ele tinha um coração e uma mentalidade e uma virtude tão semelhante a Jesus Cristo: por isso universalidade de amor; espírito mais do que práticas de religião; procurador de almas não amante de seitas e matizes. Ele sabia tratar com o Hebreu, com o Grego, com o Romano, com, com os montanheses, os pescadores, os marinheiros, os areopagitas, os nobres, os escravos.

     Façamos crescer as virtudes, dilatemos os corações, alarguemos nossos modos de ver: de modo tal que compreendamos o Europeu, o Asiático, o Africano, o Americanos, o Australiano…; sul, norte, este, oeste: como Jesus que veio para todos e a todos chamou a si.

     Compreender todas as mentalidades; abraçar os desígnios do Coração de Jesus sobre todos os homens; dar a todos Jesus Cristo Caminho Verdade e Vida pelo Espírito Santo.

     Quanto ajudaria aqui o espírito sobrenatural: ver a todos segundo os olhares de Deus; amar todos nos braços do Salvador; dar a todos aquele Espírito Santo que produzirá frutos em cada um. Como é errado trabalhar do nosso modo e impor nós mesmos às almas! Não… é Jesus Cristo que devemos fazer viver nas almas: e Ele se adapta a todos, tendo-nos feito a todos para si e podendo nas plantas mais selváticas, pelo divino enxerto, produzir os seus frutos humano-divinos.

     São Paulo fez-se tudo para todos, a fim de salvar todos em Jesus Cristo.

     Duas consequências: rezemos por todos, saber educar e levar à perfeição religiosa: o piemontês, o siciliano, o sardo, o vêneto, etc. É verdade que há diversas atitudes: mas conhecendo a mentalidade, as riquezas espirituais e morais, as necessidades e os perigos especiais, a) utilizaremos quanto Deus na criação e o Espírito Santo nos Sacramentos colocaram numa alma; b) o desenvolveremos com a instrução, o exemplo, a vigilância, a correção, a oração; obteremos talvez mais do que se esperava de santidade e perfeição moral fazendo também verdadeiros apóstolos para as respectivas regiões.

     Além disso: adaptemo-nos à língua, aos costumes, exigências, leis, usos, hábitos, tendências, ambições nacionais em si boas ou indiferentes sob o aspecto moral, bastando levar à aceitação do espírito, da vida de fé, das virtudes, dos meios de santificação, como teria feito São Paulo”. Essas são normas muito inculcadas para os Sacerdotes: salvar as almas, deixando tudo; fazer-nos tudo a todos. Exemplos: alimentação, limpeza, tradições literárias, modo de vestir, casas, etc.; também nesses detalhes muitas coisas devem pouco a pouco serem elevadas; mas não se tornem motivo de perder as almas, alienar os corações, deixar as virtudes.

     Perguntemo-nos sempre: como teria se comportado Jesus? Como faria São Paulo nessas circunstâncias? «Cuidar do substancial e do acidental; mas antes o substancial do que o acidental; e o acidental pelo substancial».

   Em Jesus Cristo Caminho Verdade Vida; rezai, rezo, abençoo”.

Dev.mo M. Alberione

[1] G. Alberione, in Circolare Interna – Luglio 1938, p. 1. Cf. Circolare 71, in Considerate la vostra vocazione, Lettere circolari e direttive alle Figlie di San Paolo, EP,1990, pp. 193-194.

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